sexta-feira, dezembro 29, 2006

** Ana, meu amor.

Ana, meu amor. Nada resta capaz de nos segurar. Não sei se faça disto uma despedida minha ou tua. Dirás que fui eu que escrevi esta carta, que dobrei a folha, que a coloquei no frigorífico presa com o íman azul, a lista de compras está em cima da mesa. Dirás em tom contido, sublinhado por um encolher de ombros, que fui eu quem fechou a porta esta manhã, que desapareci de repente, nem a cama fiz, que mudei de número, que te esqueci. Tens razão como sempre meu amor. Precisavas de espaço, precisavas de tempo, precisavas de muito mais do que isto. Ana, meu amor. Nada resta capaz de nos segurar. Perdi a capacidade de amar no formato mesquinho que escolheste, perdi a vontade de lutar por tudo o que de banal nos habitava. As fugas mudaram de sabor, os regressos deixaram de valer a pena. Dirás que é cobardia da minha parte sair tão cedo, sem um beijo de despedida. Dirás que é estupidez da minha parte sair da nossa vida sem avisar. Deixei de conseguir suportar as nossas conversas e os nossos sorrisos entre pratos e copos de jantar, Deixei de conseguir suportar as pequenas coisas, as mentiras que contamos um ao outro. Tenho de sair, porque sim, porque não podia ficar nem mais um dia. Reguei as plantas, liguei a máquina da roupa, os peixes têm comida, o jornal está na mesa da sala, as janelas estão trancadas, vou fechar a porta com cuidado e deixar a chave na caixa do correio. Ana, meu amor. Nada resta capaz de nos segurar...

terça-feira, dezembro 26, 2006

** Porque viver não basta

Às vezes é preciso, porque os dias não são iguais, porque não basta viver. Tudo o que fica é uma parte do que se calou, contornos de história por descobrir. O que somos e não conhecemos é a matéria prima da obra por criar. No esboço riscado em silêncio, traços pacientes, planos que não existem. A vida muda, em tom e forma e sabor. A vida muda e nós com ela por arrasto, sem amena transição. Da mudança surgem incertezas, apagamos frases e palavras, alteramos sinais de pontuação, recomeçamos numa folha vazia, vezes e vezes sem conta, no final, ao reler, deixamos como está, mesmo sem gostar. A vida muda e nós com ela por arrasto, sem amena transição.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

** Apontamentos 4

Há locais que surgem nas fracções de tempo em que as memórias se insinuam por entre gestos banais. São momentos de insignificante relevância no contexto da vida que tivemos, conversas dispersas que se esquecem, olhares e acções sem significado real. Há locais que surgem de repente com o café da manhã, e se transformam, e magoam em cada segundo do que se recorda. Há locais que trazem de volta a imagem do que foste, e sem se fazerem esperar obrigam a novas despedidas.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

** Amor

- A diferença está no motivo, no estado de espírito, no detalhe.

- O amor filtra a vida, é demasiado doce para ser convincente. - Disseste tu com naturalidade, porque achaste por bem dizê-lo, porque achaste que soava bem, e não ficou por ali.

- O amor não é real, não é prático, não ajuda nem estorva. Ao amor falta-lhe objectividade, e precisão e vontade. - O sorriso nos teus lábios, a ironia da tua prosa, e mais.

- O amor é idiota, é patético, é comercial. O amor é lamechas, é uma criança mimada que faz perguntas sem esperar respostas e chora por tudo o que não têm. - Fiquei sem saber o que responder e tu aproveitas-te.

- O amor não tem pernas para andar, não têm impacto, não é forte, não se escreve bem por amor. - Olhei para ti.

- O amor... Cala-te por favor, beija-me outra vez.

domingo, dezembro 17, 2006

** Cinzento

E agora? Traçar planos em folhas vazias e queimar horas em esperas desencontradas. Cigarros que ardem, palavras que voam. Amargas vontades que se bebem de um trago enquanto o amanha se atrasa de forma imperdoável em gestos por formar. Cinzentos que se fazem convidados e ficam para jantar e se deitam ao meu lado e se esquecem de sair. Quem és tu afinal?

quinta-feira, dezembro 14, 2006

** O que resta

A sala era ampla e bem iluminada. No verão o sol entrava através de largas janelas de madeira e preenchia todo o espaço. A decoração denotava bom gosto, o candeeiro de cristal, os sofás de veludo, todos os pequenos detalhes. O silêncio de fim de tarde, a casa vazia, memórias em cada canto, nas partículas de pó que polvilhavam o ar, na estante de livros, nas molduras e nos rostos estampados. A certeza que se sente já sem dor de que a vida passou. Quando o reflexo do espelho não assusta, quando se aceita a transformação, o que resta são repetições em ritmo controlado, o instintivo movimento sem sabor a novidade. Levantou-se devagar, espreitou a rua, o ritmo frenético do trânsito, das pessoas, da vida que se apressa. Sorriu com prazer, apesar de tudo tinha sido imoderadamente feliz.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

** Mais ou menos isto

- Não julgues que por estar aqui te pertenço, não sou tua, não me afectas assim tanto.

(Poemas e rosas e lágrimas que secam em sorrisos)

- Não penses que podes descansar, que te podes sentir seguro. Não me conheces.

(Perguntas, caminhos que se trocam e se esquecem)

- Não me olhes assim, não digas nada, sabes que não quero as tuas palavras.

(E beijos em ruas apertadas, e abraços com sabor a quase tudo)

- Nem tudo o que temos me vai fazer ficar, nem tudo o que disse será capaz de nos segurar.

(O silêncio emprestado de uma história qualquer)

Não quero ter certezas, nem fingir que te conheço, presumir que tenho no bolso respostas a jeito de semear. Não quero um dia deixar de lutar por ti meu amor.

terça-feira, dezembro 12, 2006

** Incertezas

São os lábios, a forma, a cor, o sabor que se adivinha e se deseja de repente. São os olhos, a forma, a cor, tudo o que dizem em silêncio.
- Nem sempre se espera o que se sente, nem sempre se deseja o que se descobre.
São as palavras, os gestos, a vida. A possibilidade escondida na incerteza. A certeza contida num tímido talvez, sussurrado em cada sorriso que te roubo.
- Sabes que as esperas me deixam assim, se pudesse não esperava por nada, nem por ninguém, nem por ti.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

** Desafio

O teatro estava cheio naquela tarde.

- (Não acredito que tenhas a coragem de te deixar levar.)

Os actores desempenhavam os seus papéis, o público assistia com arrebatada admiração.

- (Não acredito que sejas capaz.)

Um dos actores desceu do palco percorreu a primeira fila conversou com dois espectadores, fazia parte da peça.

- (tão simples, tão pouco, nada a perder.)

A peça chegou ao fim, o público aplaudiu em pé.

- (Sem esperar mais tempo, sem hesitar, agora.)

Os actores deixaram o palco, o teatro ficou vazio naquela tarde.

- (?)

** Talvez

Ficaste com o que podias ter, calei algumas palavras por não ter coragem de as escrever. E então prometemos que vamos mudar, gritar sem medo o que nos queima. Durante a noite apagamos tudo sem remorsos.

domingo, dezembro 10, 2006

** Ousadia

- Talvez queiras trocar uma parte de ti por um pouco de ousadia, faz uma certa falta, sabes?
- O que nos prende é o risco quando não se quer perder nem por momentos a ilusão de que tudo é possível.
- Não serás tu a precisar de afastar a letargia em que pareces existir? Vais ficar parado, a olhar de longe a vida, a deixar passar o que queres sem um esforço? Não é coerente, nem lógico, nem...
- O mais difícil na vida é manter a coerência quando só restamos nós por convencer.

sábado, dezembro 09, 2006

** Manhã

A rua é larga, a vida caminha devagar pelo passeio. Depois da curva a relva do jardim á beira rio, os barcos afastam de forma pachorrenta a água e seguem caminho por entre peixes e pássaros. O sol reflecte-se nos bancos de madeira vermelha e sente-se o cheiro da manhã. Mais à frente a máquina dos bilhetes engole moedas e devolve passagens, o comboio parte neste momento, bancos de dois lugares virados em grupos de quatro, quase todos vazios, o casal de namorados que conversa ao fundo, o homem que folheia o jornal lê negritos e ítalicos, a criança espreita o mundo que passa lá fora. meia dúzia de vidas alheias ao resto. duas paragens depois o jornal dobrado fica no banco, entram pessoas, a viagem recomeça, não importa onde termina, aqui mesmo, mais á frente outro jardim, mais ainda o mar e a areia molhada com pegadas de gaivotas. A vida repete-se de forma metódica em espirais asimétricas e incompletas.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

** Não me ames.

Não tenhas medo, Não esperes, Não me ames. O que sentes como teu em nada nos pertence. Não adormeças nem acordes como ontem, não me ligues com as perguntas de sempre na espera das respostas que queres ouvir. São pequenas ofertas de verdade e embrulhos de veladas mentiras que te prendem. Não chores nem me abraces. Não procures por entre lençóis de azul deslavado e gasto o que fomos. Sabes que nada é assim tão simples, e eu não sou o que esperas, não sou o que queres, não sou teu. Estava uma manhã fria e as ondas rebentavam no nevoeiro da praia.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

** Nada de novo

Nada de novo para contar, pensou. Os dias que passam, os sorrisos que se escondem, as páginas que se lêem e se esquecem, livros arrumados a um canto. Nada de novo para contar, nem glória, nem tristeza, nem obstáculos, nem batalhas por vencer. Rostos que se repetem e não ficam, rostos que se reconhecem e se diluem em molduras de verniz. Fechou os olhos encostou a arma á nuca. Nada de novo para contar, pensou.

**Apontamentos 3

Palavras em demasia e acções subtraídas. Acçoes em abundância e palavras que escasseiam. O Equilibrio está no silêncio, na mentira, na espera inquieta de uma amanhã diferente em tons que relembrem restos de saudade.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

** Poemas por encomenda

Palavras com som e música de crianças, promessas escritas em papel quadriculado por entre contas de somar e regras de três simples. Escrevi para os outros o que conseguia, o que não te conseguia contar. Coisa pouca, quadras e sonetos disfarçados, rimas em branco, epopeias em tamanho A4. Linhas e linhas por desiludir, esperanças por envelhecer, a vida em plena imprecisão, o auge da mentira inocente. Os outros agradeciam, e levam as palavras, e usavam-nas como se fossem suas, e desenhavam com o meu punho sorrisos em rostos alheios, e semeavam sonhos que eram teus por direito. Reutilizavam versos, reciclavam verdades, como se tudo não passa-se de quase nada, de meia dúzia de certidões vendidas, de poemas por encomenda.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

** As nossas palavras

A tua mão na minha, um turbillhão de esperas descontroladas. O teu sangue e o meu, a vida na pele aspera e fria. Castelos de areia, rios que correm devagar. Os pequenos prazeres são amargos pedaços de tempo fora de ordem e de sentido. As palavras perdem-se por entre caminhos e rostos que se repetem ao ritmo dos dias que passam. As nossas palavras perdem-se por entre frases agastadas que se repetem em cada inicio, na imprecisão de tudo o que não tenho, de tudo o que não conheço, no medo de te conhecer.

terça-feira, novembro 28, 2006

** Diferenças

Sobre a vida, claro. O que mais poderia ser. Sobre estantes de livros, musicas conhecidas, o céu e o mar quando são da mesma cor. Ele pegava no telefone e falava, sobre quase tudo, sobre quase nada. Ela atendia o telefone durante a madrugada e ouvia quase tudo, quase nada. Era uma história simples como os sorrisos que nele habitavam, era uma coleção de borboletas, um album de fotografias, um passeio no final da tarde. Ele conversava, com gestos rasgados ou de olhos fechados, em surdinha até ela adormecer. Sobre a vida, principalmente sobre a vida, e tudo o que de banal e simples a preenchia. Ela escutava, sempre em silêncio, ausente, distante, até o esquecer.

segunda-feira, novembro 27, 2006

** Apontamentos 2

Tenho de aprender a gostar das esperas, a amar as coisas insignificantes e os pequenos detalhes, a amar o tempo que se vai sentido na pele, na forma da sombra que passa, na capacidade de desiludir sem remorsos. Os discursos foram preparados em todas as palavras, treinados nos gestos, na enfâse das conclusões. Tenho de aprender a ser convincente quando converso em silêncio. As mentiras devem ser ainda mais simples se usadas em frente de um espelho.
** Apaixonei-me quando te vi e nunca mais deixei de te amar

Amanheceu rápido hoje, como um murmúrio que se anula, a noite passou depressa, levou embora as sombras e os silêncios em que estive escondida. Chegas-te tão tarde, muito depois de ter deixado de esperar, tarde demais para te saber existir ao meu lado. Senta-te um pouco por favor, ouve.
Apaixonei-me quando te vi, e lutei tanto por te afastar, entraste no meu mundo como uma tempestade, e lutei tanto por me manter á superfície da tua presença, por não submergir no mar que sempre foste para mim. Não olhes assim, fica mais um pouco, espera ainda. Tu sabias, que um dia, numa manhã como esta ou outra qualquer, com um discurso como este ou outro qualquer eu acabaria por corrigir os meus erros, despertar da letargia que me manteve cativa. Construí um longo discurso, uma longa lista de motivos, de argumentos prontos a utilizar, razões, certezas, queixas. Queria dizer que foste tudo o que eu sempre odiei, queria usar palavras que magoassem, porque sim, porque julgo que mereces sofrer por tudo o que me fizeste ser feliz. Bem vês não sou capaz, estou a resumir uma noite de conjecturas, uma noite de decisões em meia dúzia de palavras banais.
Tudo está em silêncio, ainda dormem por certo, terminamos aqui. Vai embora por favor, fecha a porta quando saíres...

domingo, novembro 26, 2006

** Ainda sei o teu nome

Espero que saibas que ainda sei o teu nome. Espero que entendas a demora, procurei as palavras certas para começar, depois é mais fácil. Espero que perdoes a indecisão, o medo constante da imprecisão. Espero que aceites que foi para mim um choque descobrir que não recordo a tua voz, o timbre, o tom, a forma, diferentes todos eles. Sei que não mudaram, fui eu quem esqueci a sua forma original. O silencio é no entanto o mesmo, familiar, conclusivo, a certeza pressentida que és tu, só poderias ser tu desse lado. Quase nada resta, e no entanto recordo o vazio, companheiro fiel de todas as despedidas. Tive saudades tuas, hoje, ontem, tantas vezes.... Não gosto de sentir saudades, não gosto de me sentir assim nem de admitir que isto acontece. Não suporto o facto de sentir a falta de um silencio, de alguém que não reconheço, de ti.

quinta-feira, novembro 23, 2006

** Apontamentos

Acima de tudo, antes do resto, um obrigado fica sempre bem. O que sobra são peças oleadas na engrenagem sem falhas que deixou de operar. Folhas de papel, textos da nossa história, arquivados, ordenados, catalogados. O que ficou por dizer foi quase nada, e o sinal de pontuação mais perfeito é o ponto final. Acima de tudo, depois de tudo, um obrigado fica sempre bem.

terça-feira, novembro 21, 2006

** Só desta vez

Naquele momento, a um passo de tudo, entre o ter e o ficar, com um pé em cada margem, e tu que olhavas como se ainda fosse possivél. Naquele momento de incontornável decisão, mais um esforço, o impulso final do atleta que deixa o chão e tenta em pleno ar chegar mais longe, de olhos fechados como se o resto não existisse. E tu que olhavas como se ainda estivesse tão distante, como se nenhum esfoço fosse capaz de nos aproximar. Naquele momento as palavras são memórias e as memórias são pérolas que dissolvemos e bebemos, porque sim, porque não podem ficar inteiras a manchar o lençol de linho da nossa estória. E tu que olhavas através dos tijolos e da argamassa que compunham a tua defesa fortificada, e eu que acreditei que conseguia mesmo assim, que nem um castelo seria suficente para te proteger. Naquele momento tudo o que resta são as certezas, de que nada pode ser mais importante, de que nenhum momento será um dia melhor do que este, de que não é tarde, de que a noite só agora começou. E tu que não olhavas porque partias, o copo vazio, a cadeira arrumada, a vida esquecida no canto da mesa ao lado do prato. Naquele momento, no último segundo do que conhecia, hesitei.

segunda-feira, novembro 13, 2006

** Desconhecido

Se fizer um esforço por recordar aqueles meses, não te encontro naquela casa, não te encontro naquele quarto. Eu que sempre tive boa memória e me lembro do que vestias quando nos conhecemos, do lugar em que nos sentamos no autocarro, da maior parte das coisas que disseste. Eu que lembro com uma nitidez fotográfica cada minuto da primeira semana em que te amei, não consigo agora invocar ainda que de forma ténue a tua imagem, o som da tua voz, o teu cheiro, algo que indique que não desaparceste durante vários meses, também não recordo nenhuma despedida, nenhum regresso, e no entanto estás aqui. Talvez tenha sido eu a viver num local em que não estavas, talvez seja por isso que não senti a mudança, que não recordo a transformação. Talvez seja por isso que de cada vez que nos encontramos tenho de me controlar para não perguntar quem és.

sexta-feira, novembro 10, 2006

** Hoje e de vez em quando

A casa ao pé da praia, a areia molhada nos teus pés descalços, a espuma branca e fria que desenha contrastes ao passar. A viagem no Outono, Outubro é um bom mês. A viagem no inverno, a neve a perder de vista, as tuas pegadas depois da corrida pela encosta são o meu caminho de regresso. As velas acessas, a musica que toca baixinho, eu que te abraço com medo de te magoar, que me deslumbro com o teu corpo despido, como se fosses o ser mais belo, o ser mais frágil, como se fosse ontem que te conheci. A toalha estendida, o livro por ler, eu que mergulho atrás de ti e te beijo, o teu beijo que sabe a sal e é tão doce como o primeiro. A musica no carro quase em silêncio, eu que só ouço a tua voz atento para responder a tudo o que dizes. A meio da noite o silêncio que me acorda e tu que me olhas sem me tocar, tu que me sorris devagar, nós que fazmos amor como se nada mais existisse para além do teu corpo e do meu. As tardes de domingo preenchidas de azul, a tua mão e a minha, e o verde da manhã. O que magoa mais são as memórias do que não vivemos.
** O elogio da mentira

E se eu disser que te amo, e depois? E se eu te disser baixinho que estou aqui para aqueles dias que me queres e para todos os outros em que me querias longe? E se eu te beijar devagar e te prometer que amanha e depois será assim como ontem e um pouco melhor? Se eu te sussurrar ao ouvido enquanto estás triste e te deixar ficar? Se te escrever um postal e te amar como se precisasses de amor? Se depois disso conversar contigo até adormeçeres e estiver ao teu lado ao acordar? E se eu te olhar cada dia como na primeira vez que sorriste? Talvez possa dizer que te amo, e depois? Vais ser mais feliz se for verdade o que te escrevo?

segunda-feira, novembro 06, 2006

** Rotina

A noite na janela do quarto, o silêncio dentro do quarto. Abriu os olhos para deixar de ver por um pouco. Sente o corpo ao seu lado, familiar, estranho, adormecido. Os gestos repetidos na exaustão das palavras conhecidas, os olhares, os silêncios preenchidos de sorrisos forçados. Os diálogos banais nos intervalos da musica que toca no rádio do carro, na mesa de jantar, nos intervalos do filme da noite. A chuva na janela do quarto, o frio dentro do quarto. fecha os olhos para deixar de sentir. Amanhã é um novo dia.

segunda-feira, outubro 30, 2006

** Fotografias

As fotografias separadas por datas, a historia da vida que cresce como a cidade. As fotografias separadas por locais, rios e florestas, ondas que rebentam na areia molhada. Os sorrisos, os abraços. As fotografias que me mandaste pelo natal, beijos escritos nas costas com a tua letra de criança. As fotografias que me deste no verão, saudades escritas nas costas em tons de azul. Junto uma a uma, acrescento um pouco mais de álcool, as mentiras são dificeis de queimar...
** O dia seguinte

A tua roupa espalhada, o esquentador que não desligaste, o vazio e o silêncio são estranhos que me olham sentados no sofá. Desco as escadas devagar, o casaco no banco do lado, a chave na ignição. As memorias que me invadem entre o trânsito da manhã, o cheiro do teu cabelo acabado de lavar. O telefone em silencio, as respostas automáticas, as palavras que escrevo sem ler, o vazio e o silêncio são estranhos que me olham do outro lado da secretária. Saio sem pressa, o casaco no banco de trás, a chave na ignição, escolho uma musica que tu gostas. As memórias que me invadem entre o trânsito da tarde, O teu sorriso ao acordar. É bom poder fingir que ainda estás aqui.

sexta-feira, outubro 27, 2006

** Incoerente

Gosto de te saber longe, de te sentir ausente e indiferente, de pensar que o teu corpo não me pertence. Gosto de te olhar deste canto do quarto e imaginar que não conheco o sabor da tua pele. Gosto de acreditar que adormeces cada noite e te esqueces de mim, que quando me levanto e fecho a porta tu não acordas, não sentes a minha falta, não te interessas, não me esperas. Gosto de te querer desta forma incoerente, e de recomeçar cada noite o que não termino pela manhã.

quinta-feira, outubro 26, 2006

** Palavras

Somos o que sabemos querer descobrir, a soma de todos os pequenos elementos desordenados, incompletos, dispersos. Sabemos e ainda assim sorrimos na certeza de que a existência mais clara mais irrefutável é em si uma dúvida, um vago pressentir, uma verdade que amanhece sem se afirmar sem desenhar uma inabalável certeza de que aquilo que toco, aquilo que sinto está aqui, é real, tão real como tu que me esperas em silencio como se já estivesse a partir.
** Cópia perfeita do meu ser

Não ouso sequer pensar que te seja possível ser diferente do que planei para ti. Que tudo o que és se dissolva e se revele na desilusão da descoberta, no desfazer da razão e das certezas que acalentei sobre ti. Não és mais uma vã e ilusória fantasia sobre algo que apenas existe enquanto vontade, enquanto desejo de que todas as expectativas se revertam em sólidas verdades, Sei que és real, que a imagem que projectei de ti é tão real quanto tu que me olhas desse lado da noite.
** Feliz

As palavras correm soltas, tudo é claro e simples como deve ser. Sem entrelinhas de palavras retorcidas e dissimuladas, sem segundas intenções que espreitem disfarçadas de verdades sinceras e altruístas, disfarçadas de tantas coisas que me arrastam e me impedem de estar assim, Feliz. Feliz com F maiúsculo, supremo, incondicinal. Tenho a creteza de que nem mesmo quando esta pistola disparar e me disfizer as ilusões me vou sentir menos Feliz.