sexta-feira, setembro 07, 2007

** Pensamentos

Quando entrou no carro não era na viagem que pensava, não era no destino, não no objectivo, Quando entrou no carro, ligou o motor, apertou o cinto, arrancou. Quando parou no cruzamento, não era na cor do sinal que pensava, aguardou de forma automática que lhe fosse permitido continuar. Não pensou em nada, nem na casa vazia, nem no telefone que ficou a tocar, Não pensou na rotina a que se submetera. Quando entrou na autoestrada e acelerou, quando horas depois parou o carro, trocou algumas moedas pelo titulo de estacionamento, quando começou a caminhar por ruas familiares, não foi a sensação de retorno que sentiu, não foi nos meses que tinham passado que pensou. Quando entrou em casa, não foi o cheiro a mofo que o invadiu, não foi o silêncio que o surpreendeu, não foi em razões ou decisões que pensou. Quando subiu as escadas, entrou no quarto, sentou-se, pegou na caneta, quando começou a escrever no envelope por abrir, não foi nas palavras que escrevia que pensou. Quando abriu a gaveta, retirou a caixa, pousou a arma na mesa, Quando colocou a bala no tambor, quando sentiu o frio do metal na pele, não foi no principio que pensou,

(- Porque tudo têm um principio, porque tu foste o meu principio, a minha inteira viagem. )

não foi no fim que pensou,

(- Porque tudo tem um fim, e a morte é o ponto final, de todos o mais perfeito dos sinais de pontuação.)

não foi em desculpas, não foi na sua vida que pensou. Quando disparou o gatilho, quando o silêncio foi de subito interrompido, quando não conseguiu pensar em mais nada, pensou em ti.

** Apontamentos 6

Fechou os olhos, queria chorar, há tanto tempo não o fazia. Olhou em volta, pouco a pouco sem saber porque, começou a rir, de forma contida a principio, sem controle logo a seguir, até que subitamente parou, e as lágrimas correram soltas…

quarta-feira, setembro 05, 2007

** Qualquer coisa

Qualquer coisa acaba por servir, perdeste a aposta, continuas a escrever cartas na primeira pessoa do singular, a divagar sobre pequenas coisas que acabam enfim por servir. A lógica decomposta e esquartejada da tua opinião, a lógica por ti diluída, porque preferes assim, porque tens por certo que no fim, feitas as contas, afixados os resultados, no fim, qualquer coisa acaba por servir. Eu observo, como sempre, o abstracto da tua arte, o abstracto do teu discurso disperso, o abstracto da tua desilusão, e no fim, depois de um breve interlúdio, suficiente apenas para amainar a tempestade, no fim, depois de cuidadosamente limpar lágrimas e agruras, digo devagar, qualquer coisa, ou exactamente o que queres ouvir, e qualquer coisa acaba por servir.