terça-feira, novembro 28, 2006

** Diferenças

Sobre a vida, claro. O que mais poderia ser. Sobre estantes de livros, musicas conhecidas, o céu e o mar quando são da mesma cor. Ele pegava no telefone e falava, sobre quase tudo, sobre quase nada. Ela atendia o telefone durante a madrugada e ouvia quase tudo, quase nada. Era uma história simples como os sorrisos que nele habitavam, era uma coleção de borboletas, um album de fotografias, um passeio no final da tarde. Ele conversava, com gestos rasgados ou de olhos fechados, em surdinha até ela adormecer. Sobre a vida, principalmente sobre a vida, e tudo o que de banal e simples a preenchia. Ela escutava, sempre em silêncio, ausente, distante, até o esquecer.

segunda-feira, novembro 27, 2006

** Apontamentos 2

Tenho de aprender a gostar das esperas, a amar as coisas insignificantes e os pequenos detalhes, a amar o tempo que se vai sentido na pele, na forma da sombra que passa, na capacidade de desiludir sem remorsos. Os discursos foram preparados em todas as palavras, treinados nos gestos, na enfâse das conclusões. Tenho de aprender a ser convincente quando converso em silêncio. As mentiras devem ser ainda mais simples se usadas em frente de um espelho.
** Apaixonei-me quando te vi e nunca mais deixei de te amar

Amanheceu rápido hoje, como um murmúrio que se anula, a noite passou depressa, levou embora as sombras e os silêncios em que estive escondida. Chegas-te tão tarde, muito depois de ter deixado de esperar, tarde demais para te saber existir ao meu lado. Senta-te um pouco por favor, ouve.
Apaixonei-me quando te vi, e lutei tanto por te afastar, entraste no meu mundo como uma tempestade, e lutei tanto por me manter á superfície da tua presença, por não submergir no mar que sempre foste para mim. Não olhes assim, fica mais um pouco, espera ainda. Tu sabias, que um dia, numa manhã como esta ou outra qualquer, com um discurso como este ou outro qualquer eu acabaria por corrigir os meus erros, despertar da letargia que me manteve cativa. Construí um longo discurso, uma longa lista de motivos, de argumentos prontos a utilizar, razões, certezas, queixas. Queria dizer que foste tudo o que eu sempre odiei, queria usar palavras que magoassem, porque sim, porque julgo que mereces sofrer por tudo o que me fizeste ser feliz. Bem vês não sou capaz, estou a resumir uma noite de conjecturas, uma noite de decisões em meia dúzia de palavras banais.
Tudo está em silêncio, ainda dormem por certo, terminamos aqui. Vai embora por favor, fecha a porta quando saíres...

domingo, novembro 26, 2006

** Ainda sei o teu nome

Espero que saibas que ainda sei o teu nome. Espero que entendas a demora, procurei as palavras certas para começar, depois é mais fácil. Espero que perdoes a indecisão, o medo constante da imprecisão. Espero que aceites que foi para mim um choque descobrir que não recordo a tua voz, o timbre, o tom, a forma, diferentes todos eles. Sei que não mudaram, fui eu quem esqueci a sua forma original. O silencio é no entanto o mesmo, familiar, conclusivo, a certeza pressentida que és tu, só poderias ser tu desse lado. Quase nada resta, e no entanto recordo o vazio, companheiro fiel de todas as despedidas. Tive saudades tuas, hoje, ontem, tantas vezes.... Não gosto de sentir saudades, não gosto de me sentir assim nem de admitir que isto acontece. Não suporto o facto de sentir a falta de um silencio, de alguém que não reconheço, de ti.

quinta-feira, novembro 23, 2006

** Apontamentos

Acima de tudo, antes do resto, um obrigado fica sempre bem. O que sobra são peças oleadas na engrenagem sem falhas que deixou de operar. Folhas de papel, textos da nossa história, arquivados, ordenados, catalogados. O que ficou por dizer foi quase nada, e o sinal de pontuação mais perfeito é o ponto final. Acima de tudo, depois de tudo, um obrigado fica sempre bem.

terça-feira, novembro 21, 2006

** Só desta vez

Naquele momento, a um passo de tudo, entre o ter e o ficar, com um pé em cada margem, e tu que olhavas como se ainda fosse possivél. Naquele momento de incontornável decisão, mais um esforço, o impulso final do atleta que deixa o chão e tenta em pleno ar chegar mais longe, de olhos fechados como se o resto não existisse. E tu que olhavas como se ainda estivesse tão distante, como se nenhum esfoço fosse capaz de nos aproximar. Naquele momento as palavras são memórias e as memórias são pérolas que dissolvemos e bebemos, porque sim, porque não podem ficar inteiras a manchar o lençol de linho da nossa estória. E tu que olhavas através dos tijolos e da argamassa que compunham a tua defesa fortificada, e eu que acreditei que conseguia mesmo assim, que nem um castelo seria suficente para te proteger. Naquele momento tudo o que resta são as certezas, de que nada pode ser mais importante, de que nenhum momento será um dia melhor do que este, de que não é tarde, de que a noite só agora começou. E tu que não olhavas porque partias, o copo vazio, a cadeira arrumada, a vida esquecida no canto da mesa ao lado do prato. Naquele momento, no último segundo do que conhecia, hesitei.

segunda-feira, novembro 13, 2006

** Desconhecido

Se fizer um esforço por recordar aqueles meses, não te encontro naquela casa, não te encontro naquele quarto. Eu que sempre tive boa memória e me lembro do que vestias quando nos conhecemos, do lugar em que nos sentamos no autocarro, da maior parte das coisas que disseste. Eu que lembro com uma nitidez fotográfica cada minuto da primeira semana em que te amei, não consigo agora invocar ainda que de forma ténue a tua imagem, o som da tua voz, o teu cheiro, algo que indique que não desaparceste durante vários meses, também não recordo nenhuma despedida, nenhum regresso, e no entanto estás aqui. Talvez tenha sido eu a viver num local em que não estavas, talvez seja por isso que não senti a mudança, que não recordo a transformação. Talvez seja por isso que de cada vez que nos encontramos tenho de me controlar para não perguntar quem és.

sexta-feira, novembro 10, 2006

** Hoje e de vez em quando

A casa ao pé da praia, a areia molhada nos teus pés descalços, a espuma branca e fria que desenha contrastes ao passar. A viagem no Outono, Outubro é um bom mês. A viagem no inverno, a neve a perder de vista, as tuas pegadas depois da corrida pela encosta são o meu caminho de regresso. As velas acessas, a musica que toca baixinho, eu que te abraço com medo de te magoar, que me deslumbro com o teu corpo despido, como se fosses o ser mais belo, o ser mais frágil, como se fosse ontem que te conheci. A toalha estendida, o livro por ler, eu que mergulho atrás de ti e te beijo, o teu beijo que sabe a sal e é tão doce como o primeiro. A musica no carro quase em silêncio, eu que só ouço a tua voz atento para responder a tudo o que dizes. A meio da noite o silêncio que me acorda e tu que me olhas sem me tocar, tu que me sorris devagar, nós que fazmos amor como se nada mais existisse para além do teu corpo e do meu. As tardes de domingo preenchidas de azul, a tua mão e a minha, e o verde da manhã. O que magoa mais são as memórias do que não vivemos.
** O elogio da mentira

E se eu disser que te amo, e depois? E se eu te disser baixinho que estou aqui para aqueles dias que me queres e para todos os outros em que me querias longe? E se eu te beijar devagar e te prometer que amanha e depois será assim como ontem e um pouco melhor? Se eu te sussurrar ao ouvido enquanto estás triste e te deixar ficar? Se te escrever um postal e te amar como se precisasses de amor? Se depois disso conversar contigo até adormeçeres e estiver ao teu lado ao acordar? E se eu te olhar cada dia como na primeira vez que sorriste? Talvez possa dizer que te amo, e depois? Vais ser mais feliz se for verdade o que te escrevo?

segunda-feira, novembro 06, 2006

** Rotina

A noite na janela do quarto, o silêncio dentro do quarto. Abriu os olhos para deixar de ver por um pouco. Sente o corpo ao seu lado, familiar, estranho, adormecido. Os gestos repetidos na exaustão das palavras conhecidas, os olhares, os silêncios preenchidos de sorrisos forçados. Os diálogos banais nos intervalos da musica que toca no rádio do carro, na mesa de jantar, nos intervalos do filme da noite. A chuva na janela do quarto, o frio dentro do quarto. fecha os olhos para deixar de sentir. Amanhã é um novo dia.