sexta-feira, abril 20, 2012



** Gosto

Gosto de coisas simples, da beleza subtil que existe nas coisas simples. Gosto de palavras, gosto muito de palavras, e de tudo o que com elas consigo dizer entre linhas. Gosto de sentir, de sentir apenas sem mais substantivos. Gosto de promessas, mesmo as que se fazem sem forma nem som, gosto de todas as promessas que os teus olhos fazem em dias banais. Gosto de saber que existes, de saber apenas, mesmo quando estas longe. Gosto de clichés, daqueles lamechas e pirosos, dos clichés desavergonhados e inocentes, do teu sorriso que adivinho ao acordar. Acima de tudo gosto da vida, desta que tenho, mesmo com todos os pequenos dissabores, e todas a agruras triviais. Gosto de dias felizes e da luz que entra pelo vidro do carro no caminho de regresso a casa, do cheiro de um dia de chuva e de todas as tardes de incerteza. Gosto do dia de hoje, banal e estúpido assim tal como é. Gosto, deste texto mal escrito, e de todos os seus motivos...

terça-feira, fevereiro 15, 2011

** Apontamentos 11

Há coisas que não fariam sentido quando analisadas sob uma luz mesquinha e coerente, quando peneiradas pelo crivo racional e lógico daquilo que consideramos normal e expectável, e os dias são apenas somas de mais dias, os gestos são mecânicos porque mecânicos são os pensamentos e os motivos desses movimentos. A chave roda quatro vezes no trinco, o metal reforçado adormece no lugar que lhe está destinado desde que existe, porque assim têm de ser e outra coisa não faria sentido. A luz acende milésimos de segundo depois do toque, o tungsténio incendeia-se na sua câmara de vácuo porque para esse fim foi criado. Tudo encaixa na perfeição premeditada daquilo que consideramos normal, e todos os pensamentos sem forma nem objectivo prático imediato são acondicionados, em qualquer recanto da memória para que possam ser mais facilmente diluídos em dia a dia.

terça-feira, dezembro 07, 2010



** Motivos

A culpa foi da hora e do local, errados ambos. O problema foi termos existido nessa dimensão espácio-temporal responsável por todas as desgraças pessoais que no mundo acontecem. Num outro sítio, a outra hora, ou em outro ano vá, mais coisa menos coisa, o tempo é volátil e sempre fomos práticos, tudo seria diferente. Já sei que quando leres este texto vais achar que é um lugar comum e uma frase feita, que é de um abominável mau gosto recorrer a tão vulgar razão para justificar a nossa vida, vais pensar que foi muito mais que um simples erro honesto, que o mapa e o calendário em nada têm culpa. Eu tenho a certeza que foi apenas isto, e acrescento, porque a esta altura já não estas a ler, foi tudo um erro de personagens, sei que numa outra vida vamos ser gatos, e acabamos por nos encontrar, o sexo vai ser menos criativo é certo, as infidelidades serão mais frequentes, mas de uma forma ou de outra vamos ser tão felizes quanto bichos como nós podem ser.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

** Dias assim

Há dias assim, a chuva lá fora, a luz cinzenta e feia (aprendi a qualificar a luz, aprendi a apreciar a qualidade da luz, vê tu bem.) Há dias assim, feitos de memórias (não são bem memórias, são coisas que nos desarticulam as palavras). O mundo que nos entra pelos olhos, registo o que vejo sem processar nada, as palavras que oiço, as cores que vejo, os objectos em que toco, nada me parece relevante. Tenho a certeza que este estado de inércia saborosa e melancólica é resultante do dia lá fora. Há dias assim, sofro deste mal há muito tempo, amanhã as coisas voltam a fazer sentido, amanhã processo o mundo que me rodeia, analiso e decido cada passo e cada palavra. Amanhã a luz lá fora vai ser mais quente e com mais contraste. Amanhã regresso ao presente, deixo de imaginar locais, deixo de imaginar cheiros e saudades que transpiram muito ao de leve em resignadas vontades. Nestes dias tenho de fazer um esforço para afastar as imagens deslavadas, aquele quase branco que preenche a moldura e relembra silêncios e sal da praia, viagens quentes e fotografias que são espelhos irregulares e imprecisos do que fomos por acaso. Há dias assim, em que a vida que vivemos não chega para nos alhear de tudo o que guardamos em nós.

sábado, junho 20, 2009

** Apontamentos 10

Percorremos um longo caminho, percorri um longo caminho, os momentos perdidos no tempo, perdidos apenas, o que foram, o que foram, percorremos caminhos. em tudo, em tudo. a coerencia que falta, o elevador no fim da viagem, o terraço no fim da viagem. O fim da viagem, o que ja não existe, um longo caminho, o inicio lá ao fundo, o ponto de viragem. o tempo parou em alguns desses momentos e por la ficou em cada um deles á espera e em silêncio, por la continua ainda. Percorremos em longo caminho, feito de quase nada, tudo o que percisamos, para crescer, para melhorar, para aprender que hoje e amanha o tempo vai parar... por aqui. talvez...

quarta-feira, junho 03, 2009

** Apontamentos 9

Nem palavras rebuscadas, nem frases profundas, nem o fazer de conta que o texto corre solto em linhas que não se corrigem. Não há nada de novo aqui, as perguntas são gastas, as respostas são essências desinteressantes quando olhadas do ângulo oposto. É qualquer coisa assim, que o sentido pouco importa. Não há punch line final, Não há nada de novo aqui...

quinta-feira, janeiro 29, 2009



** Coisas que escapam

Acendo o último cigarro, amanhã logo se vê.
Reticências a dobrar e no meio duas palavras, no meio, entre tudo, coisas que escapam, nada de mais, coisas que escapam, as histórias escrevem-se assim. Escolhas e caminhos, traços de cor em tela alheia, abstracto onde se se tenta adivinhar a forma. O objectivo é como quase sempre não ter objectivo. Coisas que se sentem, no meio, a meio caminho, entre o resto, coisas que escapam. As palavras que se escrevem não para serem lidas, apenas pelo prazer que dão. As palavras que escapam: Em todos os teus caminhos, em todas as certezas, onde estiveres. Em todas as coisas que escapam: lembra.
Apago o último cigarro, amanhã logo se vê...
"Remember me when youre the one you always dreamed"

segunda-feira, janeiro 05, 2009

** Ternura

A ternura que se faz sentir por palavras e gestos conhecidos, porque as possibilidades e as certezas se desencontram por vezes em mesas de cafés, o pacote de açúcar por abrir, o copo meio, tudo o que se perde entretanto, e talvez mais o que não existe. Uma promessa ou coisa que se lhe assemelhe, as promessas em pontos de interrogação que se adivinham entre parênteses por dizer. Ternura que se faz sentir em tudo o que não somos capazes de deixar para trás, sem olhar para trás.
** Apontamentos 8

Empresta-me a caneta, e o papel, e as palavras que hei-de escrever assim sem mais nada, sem esforço nem vontade, apenas porque o azul da tinta se dissolve bem nas memórias de cada frase...

terça-feira, dezembro 30, 2008

** Linhas Soltas 6

Alguma vez pensaste que seria possível seres a causa de tantas frases, quase nove anos depois?...

** Apontamentos 7

O corredor era comprido, o quarto ao fundo, grande, frio, impessoal, tecto desnivelado, a única janela ocupava metade da parede, portadas de madeira velha, tudo o resto tinha um toque temporário, passagem indesejada e resignada. Seis meses não foi assim tanto tempo, pensou enquanto fechava pela última vez a porta. Se não tivesses existido também aqui nem me ia lembrar disto daqui a uns anos...
** Palavras vazias

- Qualquer coisa, palavras vazias, e...
- Não existem palavras vazias ou cheias, isso é coisa de textos mal escritos...
- Certo, tens razão. Qualquer coisa, palavras vazias de sentimentos, e...
- Não melhorou muito...
- ...palavras que não expressam sentimentos...
- Continua...
- Qualquer coisa, palavras vazias, e textos maus, com títulos piores, e frases que só eu entendo, porque os outros não sabem da missa a metade, porque os outros analisam e retalham e aplaudem vírgulas e pontos finais, porque os outros lêem palavras, e as palavras não são a história, nem as personagens, nem a música, nem o que ficou por escrever. As entrelinhas são pormenores e os pormenores sempre foram a parte mais importante de tudo o resto.
- ...

sexta-feira, dezembro 19, 2008

** Outubro

Era Outubro, como de resto por certo te lembras.

(Seis anos atrás (mais coisa menos coisa) começava assim o texto, começava assim cada paragrafo, terminava assim seguido de reticencias (e dai não terminava, o plano era acrescentar uma pitada de qualquer coisa).

Era Outubro, como de resto por certo te lembras, (aqui entrava um primeiro paragrafo que me pareceu na minha imodesta opinião soberbo, tinha a palavra lágrimas, a palavra chão e uns quantos advérbios de modo a jeito, assim a tornar tudo meio lamechas)

Era Outubro, como de resto por certo te lembras, (Aqui a coisa a modos que se tornava mais grave, tinha frases como, as folhas secas caídas no jardim, e falava sobre o facto de estares descalça e de eu desta vez ser capaz de me descalçar e correr contigo. (Não abona em nada a meu favor é certo)

Era Outubro, como de resto por certo te lembras, (Curioso como o tempo, a seu tempo me foi desprovendo da capacidade de apreciar este tipo de coisas, e tenho tentado, a sério que sim, tenho tentado provar que não só aos 15 anos conseguia escrever poemas, já me habituei á ideia que não consigo repetir a proeza, tudo o que sai são linhas sem graça, muito mais prosa que rima, e prosa pobre acrescente-se (onde estás tu, imodesta opinião, que de ti sinto tanta falta).

(Poemas em projecto colocados de lado, shift+delete (mais rápido que reciclar, muito mais eficaz que rasgar a folha), tentei qualquer coisa que não fosse totalmente desprovida de sentimentos, e tudo o que saia eram palavras frias (palavras frias? que estupidez de frase.)

(E se nem consigo ao menos reescrever de memória um texto mau (muito mau) que ficou, e fica assim incompleto, então e melhor parar aqui.)


Talvez só, neste espacinho que sobra, acrescente a frase:

O que importa teres estado com outra pessoa, se quando estou contigo és meu?

Só porque me parece bem (leia-se com aspas).

Era Outubro, como de resto por certo te lembras...

sexta-feira, agosto 29, 2008

** Linhas Soltas 5

As luzes apagadas, a janela aberta, a pergunta que surge naturalmente, como pode ser possível que gaivotas vooem lá fora, aqui tão longe do mar...

quinta-feira, dezembro 06, 2007

** Se te amasse ia até ao fim do mundo contigo

Se te amasse sabes que esperava, que deixava de lado estas mesquinhas razões, que não me importava, que te desculpava os agravos e te aceitava os perdões. Se te amasse sabes que não desistia, não saía disto a meio, não baixava os braços, não me despedia. Se te amasse sabes que te levantava, te sacudia a areia das calças, te levava de mão dada para outro lado mais acolhedor. Sabes que nada mudava, não te devolvia as camisolas, não te pedia os cd's, não mudava de número, nem apagava o teu, da agenda e da cabeça, não te apagava da cabeça. Se te amasse como amei, e sabes que o fiz, não estávamos aqui agora, a estas horas, nestes preparos. Não depende de mim, não escolhi assim, são coisas que acontecem, não serve de nada negar, fingir, simular, mais dia menos dia, tu pedes-me para ir contigo e eu não consigo, não porque não fosse capaz, não porque não me fosse possível, juro que se ainda te amasse, nem que fosse só um bocadinho, muito pouco servia, juro que se te amasse ia até ao fim do mundo contigo.

(Sabes que ainda te amo, claro que sim, não se deixa de amar ninguém da noite para o dia. Sabes que tenho de fazer isto na mesma, que tenho de me convencer, de te convencer, de te magoar, garantir que não me persegues. Sabes que quero mas não posso. Sabes que se não fizesse isto seria capaz, mas não posso, de ir até ao fim do mundo contigo.)
** De palhaços e outras bizarrias

Quando te vi chegar, assim sem mentir nem acrescentar ponto, que deus nos livre de exageros e de paixões ardentes. Quando te vi chegar, dizia, foi como que um murro no estômago, ou mais acima talvez, daqueles que nos deixam a desejar pela próxima golfada de ar, que abençoada, seja capaz de nos salvar à asfixia. Quando te vi chegar, julguei que fosse engano, que com certeza seria engodo da minha mais que agastada e por estes dias quase moribunda consciência do que me envolve. Quando te vi chegar, tranquilizei a minha alma com esperanças receosas, placebo antidepressivo das consciências menos ligeiras, por certo não me reconhecerias, não serias capaz de nenhuma associação entre os dois pontos desfasados da minha evolução, era mais que certo que passarias ao lado do palhaço mais que ridículo que aqui se levanta, da máscara mais que bizarra que com carinho e desvelo construi. Pelo sim pelo não, não fosse a tranquilidade que me invadiu provir inteiramente do tal placebo que tomei, não fosse como dirias, o diabo tecelãs, fiz questão de me diluir de mansinho entre as árvores do caminho, de te deixar passar ao lado, de não atrapalhar uma vez mais o teu caminho. Tenho por certo que agradeces a simpatia, que preferes assim, mesmo apesar do balão de água que por brincadeira, palavra de honra que foi sem maldade, te atirei às costas.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

** Não esqueças

Não esqueças que foram as minhas mãos que te moldaram, que pouco a pouco transformaram o barro inerte e sem graça, matéria prima da qual somos feitos, em tudo o que hoje consideras teu por direito, por mérito, por evolução natural e autónoma da tua soberba superioridade. Não esqueças os pequenos detalhes, os tortuosos e menos claros caminhos que percorreste de olhos fechados, sem outros guias excepto os meus dedos a segurar a tua mão trémula. Não esqueças todos os erros, defeitos, incoerências, todos eles teus, todos eles apagados, dissimulados, diluídos em sucessos indevidos que eu fiz acontecer. Não esqueças as duvidas que te assaltaram em cada esquina, as escolhas que te obriguei a fazer para que fosse possível caminhar mais alguns metros. Não esqueças que nunca deixei de acreditar nas distancias que conseguirias percorrer, nas alturas que conseguiras escalar, que nunca deixei de estar por perto quando precisavas de voltar a meio caminho do fim, quando precisavas de saltar a meio caminho do topo, que nunca deixei de ser o teu ponto de retorno. Não esqueças as merdas que aturei, as mentiras que aceitei, as vontades que calei, tudo o que perdi no processo inglório de te amar assim, nesta forma despojada de limitações. Não esqueças, não me faças repetir, sabes que não gosto, palavra de honra que não gosto de o fazer. Esquece apenas que fui eu que te deixei, dá-me o crédito e o mérito que me deves há anos.

quarta-feira, novembro 28, 2007

** Não faz sentido ser outra coisa

Ele jura a pés juntos que é amor, que não faz sentido ser outra coisa. Dizem as más línguas que mal se conhecem. Ela diz que sim, que é capaz de ser isso, é provavelmente como ele diz. Ele passa os dias em alvoroço, liga a toda a hora, não pensa em mais nada. Dizem as más línguas que a coisa não vai longe por certo. Ela atende, dá conversa, faz o que têm a fazer enquanto fala. Ele apanhou o autocarro e depois o comboio só para a ver. Dizem as más línguas que saiu à bocado ainda não voltou. Ela não estava à espera de o ver chegar. Ele não compreende como foi possível, não sabe o que aconteceu nos últimos minutos, os lençóis brancos manchados de sangue, a faca caída no tapete. Dizem as más línguas que sempre foi um bom moço, bom vizinho, bom cidadão. Ela não estava à espera de o ver chegar. Ele jura a pés juntos que é amor, que não faz sentido ser outra coisa.

terça-feira, novembro 27, 2007

** Já te procurei tantas vezes

Já te procurei tantas vezes, nem sei ao certo o que procuro afinal. Já te procurei tantas vezes, de tantas formas que nem sei se te passei ao lado sem querer, se estavas sentado no banco da frente do 714, se sais-te em Caselas ou no hospital Egas Moniz. Já te procurei tantas vezes, que te encontro em todo o lado antes de descobrir que não és tu que espreitas por entre a multidão que sobe as escadas do metro no Marquês, que não és tu a sair do café de esquina na travessa da Nazaré com a rua das olarias (onde compravas aos domingos o jornal que folheavas no jardim em frente). Já perguntei por ti a uma data de gente, já corri a lista telefónica não fosses ter mudado de número, já fui a tua casa vezes sem conta, cheguei até a perguntar por ti ao casal que lá mora agora. Tenho andado perdida estes últimos meses, acordo quase sempre aflita não te tivesses tu esquecido de levantar, não fosses chegar atrasado ao emprego (depois vais a correr e ainda tens um acidente, ainda ouves um raspanete bem merecido do teu chefe, ainda tens de fazer horas extra). Já te procurei tantas vezes sem te encontrar, e ainda não fui capaz de mexer nas tuas coisas, bem sei que gostas de tudo no seu sítio, que vais querer tudo como estava quando decidires voltar.

segunda-feira, novembro 19, 2007

** Boa noite

Um dia destes, faco as malas e vou embora. Um dia destes, deixo tudo, quase nada, para tras, sem cartas de despedida escolho um caminho qualquer, so paro quando conseguir. Um dia destes, ou ainda hoje, fecho a porta, desco as escadas, nem olho para tras. Se por acaso me cruzar contigo, nao paro para falar, nao paro para explicar, nao paro. Acelero o passo, e como se fosse apenas mais um dia, digo boa noite ao passar.

terça-feira, outubro 09, 2007



** Antes de adormecer

A noite em que dormes, em que prometo não apagar nem uma letra. O tempo que passa, o tempo e nos com ele. O medo, ou talvez se lhe chame pudor, o rubor que tinge as palavras por escrever, todas as frases por escrever. E porque não posso ser lamechas desta vez? porque não hei-de por extenso dizer que sim, que enquanto a dois passos de distância sinto que te quero, que quando me deitar ao teu lado sinto que te quero, e quando acordar, a dois passos de sair sei que te espero. E quando falto ao prometido e apago palavras em vez de letras, quando apesar de tudo e mesmo assim em dias que nada acrescentam revejo o que somos, sei que o resultado é este, sei que quero dizer, que quero continuar a dizer, sem grandes rodeios, sem palavras forçadas, sem mais nada, sei que quero continuar a saber que te amo.

sexta-feira, setembro 07, 2007

** Pensamentos

Quando entrou no carro não era na viagem que pensava, não era no destino, não no objectivo, Quando entrou no carro, ligou o motor, apertou o cinto, arrancou. Quando parou no cruzamento, não era na cor do sinal que pensava, aguardou de forma automática que lhe fosse permitido continuar. Não pensou em nada, nem na casa vazia, nem no telefone que ficou a tocar, Não pensou na rotina a que se submetera. Quando entrou na autoestrada e acelerou, quando horas depois parou o carro, trocou algumas moedas pelo titulo de estacionamento, quando começou a caminhar por ruas familiares, não foi a sensação de retorno que sentiu, não foi nos meses que tinham passado que pensou. Quando entrou em casa, não foi o cheiro a mofo que o invadiu, não foi o silêncio que o surpreendeu, não foi em razões ou decisões que pensou. Quando subiu as escadas, entrou no quarto, sentou-se, pegou na caneta, quando começou a escrever no envelope por abrir, não foi nas palavras que escrevia que pensou. Quando abriu a gaveta, retirou a caixa, pousou a arma na mesa, Quando colocou a bala no tambor, quando sentiu o frio do metal na pele, não foi no principio que pensou,

(- Porque tudo têm um principio, porque tu foste o meu principio, a minha inteira viagem. )

não foi no fim que pensou,

(- Porque tudo tem um fim, e a morte é o ponto final, de todos o mais perfeito dos sinais de pontuação.)

não foi em desculpas, não foi na sua vida que pensou. Quando disparou o gatilho, quando o silêncio foi de subito interrompido, quando não conseguiu pensar em mais nada, pensou em ti.

** Apontamentos 6

Fechou os olhos, queria chorar, há tanto tempo não o fazia. Olhou em volta, pouco a pouco sem saber porque, começou a rir, de forma contida a principio, sem controle logo a seguir, até que subitamente parou, e as lágrimas correram soltas…

quarta-feira, setembro 05, 2007

** Qualquer coisa

Qualquer coisa acaba por servir, perdeste a aposta, continuas a escrever cartas na primeira pessoa do singular, a divagar sobre pequenas coisas que acabam enfim por servir. A lógica decomposta e esquartejada da tua opinião, a lógica por ti diluída, porque preferes assim, porque tens por certo que no fim, feitas as contas, afixados os resultados, no fim, qualquer coisa acaba por servir. Eu observo, como sempre, o abstracto da tua arte, o abstracto do teu discurso disperso, o abstracto da tua desilusão, e no fim, depois de um breve interlúdio, suficiente apenas para amainar a tempestade, no fim, depois de cuidadosamente limpar lágrimas e agruras, digo devagar, qualquer coisa, ou exactamente o que queres ouvir, e qualquer coisa acaba por servir.

segunda-feira, agosto 27, 2007

** Vidas

Vivemos tantas vidas. Utopias, gestos inocentes, as primeiras linhas de toda uma história. Ao descer a rua, os olhares que se cruzam, a rapariga sentada na esplanada, o copo meio, a cadeira em frente vazia. As memórias do que não existe. A água gelada das ondas, a vontade de abandonar quase tudo e trocar por nada. Vivemos tantas vidas, tantas linhas por escrever, tanto tempo, tudo o que fica por dizer. A vida que resta, a que temos, a que é partilhada com os outros, é desta forma e nestes contornos, é desenhada com estas cores e escrita com estas palavras, por acaso. É a vida que temos, mas poderia ser outra, outros gestos, outros desejos, outros medos, se não tivéssemos continuado a descer a rua, se nos tivéssemos sentado na esplanada. Pelo caminho ficam sempre vidas por viver...

quinta-feira, julho 19, 2007

** E depois,

Eu nem preciso de muito, coisa pouca basta, nunca fui de grandezas, nem almejei mais do que o que tenho, sendo o que tenho mais ou menos o que preciso, graças a deus.

(E depois, de resto, a bem dizer não esqueço.)

A sério, é como te digo, e não me olhes assim, bem sei o que pensas.

(E depois de resto, não só sei, como acredito ter razão.)

O que levo a mal é teres saído assim, sem uma despedida sequer, ao menos um beijo apressado, uma explicação, coisa pouca, meia dúzia de palavras talvez, eu não pedia muito.

(E depois, certo é que não mudava nada, mas ficava bem pelo menos, ao menos isso)

O que levo mesmo a mal, isso não entendo por mais que tentes explicar,

(E depois, no fundo, e afinal, nem te guardo rancor)

O que levo mesmo a mal, é estares aqui, mais valia que te tivesses esquecido de voltar.

(E depois, nem penses, nem penses que te deixo ficar)

Cuidas tu que só por ser como sou te vou deixar ficar? Só porque me pedes? Só porque sim?

(E depois, que raiva dá, esse teu não sei quê que me confunde.)

Eu... nem preciso de muito, coisa pouca basta, mas também, caramba, deves compreender que existem limites e que...

(...)

terça-feira, julho 17, 2007

** Abstracto

Um dia qualquer, uma tarde qualquer, a praia deserta.

- Sabe tão bem, o vazio.

- O vazio não têm sabor.

Um dia qualquer, uma tarde qualquer, o quarto em silêncio.

- A ausência de sentimentos faz-me feliz.

- A felicidade é um sentimento.

Um dia como este ou outro qualquer, um final de tarde, a estrada molhada.

- E depois? a vida é isto e aquilo, o nada e o tudo, o sem sentido mais que tudo.

- As pequenas coisas, as ausências mais que o resto.

- O que faz mais sentido na vida é o não existir um sentido, a começar pelas palavras.

- Sim, e porque não?

segunda-feira, julho 16, 2007

** Tina

Não aprendi ainda a ver o que és, quem és, o que significas ao certo para mim. A verdade é que via como eras, como foste, como te desenhei um dia. E quando por momentos invocava a tua imagem, por precisar de recordar, por precisar de não esquecer, por precisar de nunca te esquecer, o que via era ilusão, imagem materializada e vaga do que restou, sépia envelhecida de um passado em que foste quase, apenas quase, real para mim.

Observei-te há dias, de forma crua, sem recorrer a qualquer memória, nem artifícios, nem filtros. Deixei por momentos de lado a pesada camada de utópica ilusão que me tolda sempre a percepção de ti, e observei, olhei, avaliei apenas. A diferença foi um choque confesso, não encontrei a menina de 22 anos, a mulher de quase 30 que olhava para mim, não eras tu. A meio caminho devo ter perdido a noção do tempo, a noção de ti, a meio caminho não aprendi a ver quem és. Gostava de perceber um dia tudo isto, todo este quase que é só nosso, quase querer, quase ter, quase amar. No final, como sempre, beijo-te, e os beijos são iguais, e tu és igual, nada mudou. Quando vou embora olho para trás, e tu ficas sentada a ver-me sair mais uma vez, e és exactamente igual ao que eras quando te conheci, Não aprendi ainda a ver quem és. Amo-te

quarta-feira, junho 27, 2007

"Having tasted,... A life wasted,...
I'm never going back again..."

terça-feira, junho 19, 2007

** O Tira-nódoas

Nunca tive medo de nada, nunca tive medo de quase nada, e quando tinha, saboreava o medo como limonadas em dias quentes. Era sempre o primeiro a saltar da rocha mais alta para o rio esverdeado, com vontade de voltar a sentir a vaga de frio que percorre as costas e o tremor que assalta imprevisto o corpo ao espreitar o precipício. Tinha medo de coisas normais. Tinha medo de cair, mas andava de bicicleta como louco por ruelas e escadas. Tinha medo que os pássaros fugissem da gaiola de hamster que estava pendurada no quintal, sem roda claro está, que os bichos alados não se prestam à tarefa de fazer girar rodas de qualquer sorte, mas abria muitas vezes a grade só porque sim. Tinha medo de que me apanhassem a roubar romãs do quintal alheio mas era o primeiro a trepar os telhados. Tantas vezes pensei voltar para trás, desistir do que me propunha alcançar, esperar pela melhor altura, calar o que queria dizer, e outras tantas vezes fiz tudo isso, sem planear, porque sim, porque nunca tive medo de nada, nunca tive medo de quase nada. E no entanto, agora, quando sinto nos teus beijos o travo a despedida, quando com cuidado fechas a porta da rua, e o silêncio ocupa o teu lugar na parte da cama que usaste, quando sem avisar vais embora, não consigo deixar de ter medo, não consigo deixar de quase ter medo, que por alguma razão insondável decidas não voltar amanhã.

quarta-feira, junho 06, 2007

** Felicidade

A felicidade também cansa, e o mais certo é que desapareça... que se deixe de notar é pelo menos quase certo. A felicidade têm muito que se lhe diga, têm requintes de maldade embrulhados em papel florido, laços de tédio a atar o conjunto. Sabes bem que nunca pedi felicidade, nem isso nem nada, nunca pedi quase nada, nem sequer te pedi para ficar. Em dias de incerteza restava dizias, a certeza da felicidade, do pouco que nos faz sorrir. Não gosto de sorrir, nem de te ver no rosto espelhada a tranquila satisfação a que chamas sem pudor, felicidade. Não é por te saber incapaz de compreender o meu discurso a que chamas-te um dia embrulhado, nem sequer por te saber capaz de gerir o que de bom acontece e digerir o que de mau sempre acontece, ou pela tua capacidade entediante de procurar um lado positivo em qualquer contratempo que de súbito se adivinha. Não é por nada disso, ou talvez um pouco por tudo isso, que não peço perdão, que sem pensar muito mais sobre o assunto, prometo que não vou ficar a pensar sobre o assunto, em jeito de despedida, te espeto esta faca nas costas...

quarta-feira, maio 23, 2007

** Oásis

Depois de atravessar o deserto, descansou um pouco, muito pouco porque a vida não é plana e os caminhos sucedem-se em cruzamentos que esperam escolhas insuspeitas onde se julgava ser a estrada em linha recta. Depois de atravessar o ermo lugar, pejado de silêncio e vazio, deixou à saída a morte que lhe fizera companhia, pressentida no adivinhar da queda, na doce e convidativa desistência.

- O que é preciso é esconder eventuais marcas, vestir a pele da personagem, entrar de rompante no mundo, representar de forma arrebatadora o papel principal num palco que seja só meu.

sexta-feira, maio 11, 2007



** Conteúdo de um silêncio

Gosto de te imaginar, não aqui, a luz tardia que se escapa por entre a janela mal fechada, o silêncio por entre o fumo do teu cigarro. Gosto de te imaginar, não agora, os minutos que passam sem pressa, o tempo que se saboreia em deleite e melancólica monotonia. assumes o teu tom de desafio, constante, habitual, familiar, e eu vagueio e desenho em tela invisível o que imagino serás um dia. Gosto de te ver, longe no espaço e no tempo, de descobrir que não desiludes as ilusões criadas, embora já não me pertenças. Observo na confortável distancia de um narrador ausente sem evitar o sorriso, por saber que não obstante a vontade de transpor a barreira, de reescrever um final feliz, este é tão perfeito como deve ser.

Regresso, continuas aqui. Levanto-me de repente, com um beijo e uma frase banal, arrumo prontamente os devaneios e as imagens que criei.

- Estamos atrasados meu amor.

quinta-feira, maio 10, 2007

** Linhas Soltas 4

E afinal a tua presença é apenas um aditivo a tudo o que de ti existe em mim. tão intensa, transforma cada ausência em pouco mais que nada.

sábado, abril 21, 2007

sábado, abril 14, 2007

** Deste lado

Eu não sou como tu meu amor, não tenho os teus planos, os teus ideais, as tuas inúmeras fantasias. Eu não sou como tu, não preencho os teus requisitos, não sirvo, não sou digno de nota, não me importo. Eu não sou como tu, e tu nem me conheces, nem me sabes existir entre manhãs iguais e tardes de desespero contido, entre perguntas traiçoeiras, e remédios como mezinhas para uma qualquer maleita da qual não padeço. Tu não sabes da minha loucura, dos meus monstros particulares, não ouves as vozes sobranceiras que acompanham os meus caminhos incertos, e ditam maviosas ordens sem sentido. Não contas os meus passos enquanto deambulo em jardins de verde pálido e rosa amarelado. Eu não sou como tu, sorris por cortesia e escondes-te em seguida do mal pressentido no mundo que não conheces, eu não sou como tu, o meu sorriso aparece sem convite, e nem sequer tenho a certeza de saber sentir medo. Se fico deste lado, se falta a ousadia, se mingua a coragem, para aproximar o meu mundo do teu, para ao menos atravessar o passeio que nos separa, é porque não sou como tu, porque eu não sou como tu meu amor.

quinta-feira, abril 12, 2007

** Linhas Soltas 2

Passos descalços, marcas que ardem no corpo, sei que te escondes por perto.

terça-feira, abril 10, 2007

** Verde escuro

Desviei-me do plano traçado, por um momento, e outro, e mais outro ainda. Erro meu, pecado meu. Absolvo de imediato o devaneio egoísta, volto a ser quem quero ser.

** Linhas Soltas

A fraqueza foi minha. O silêncio foi teu, inesperada e acutilante resposta. Agradeço com surpresa a sinceridade pouco habitual.

terça-feira, março 27, 2007

** Apontamentos 5

Juro que tentei, o caminho de casa em silêncio, longe de tudo, ausente, distante pela primeira vez. Juro que tentei, duas folhas escritas em tom apressado, e as lágrimas que soube bem chorar. Juro que tentei, que não parei de tentar. Os detalhes planeados de forma exaustiva, para que não fosse fácil esquecer, para que não conseguisses esquecer. O tempo que gastamos em duvidosos momentos de felicidade foi uma parte de tudo o que tentei, de tudo o que juro que tentei.

segunda-feira, março 19, 2007

** Um dia de Primavera

A erva era alta, crescia por toda a parte no quintal abandonado, cobria os caminhos desenhados com gravilha escura. Árvores encostadas aos altos muros do fundo enchiam com sombra o tanque de água podre. Não entrava ali ninguém há anos e era necessário contornar arbustos e silvas para passar. A primavera fazia-se sentir no verde vibrante que enchia o local. A porta de madeira estava partida, a cerca derrubada, foi fácil passar para a parte interior atrás do barracão. Junto às árvores, tábuas velhas amontoadas entre o tanque e o muro pareciam perfeitas. Sem pressa foram retiradas uma a uma. Dentro do barracão havia ferramentas, a enxada velha servia para o efeito. Uma hora mais tarde a enxada estava no local de onde fora retirada, a terra remexida era pouco a pouco coberta pelas tábuas, tudo estava como no início, o crime estava encoberto, o cadáver estava enterrado.

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

** Imprevistos

Nada o fazia prever, disso recorda-se bem, os restantes detalhes são quase todos imprecisos, aprecem misturados com instantes inocentes, catalisadores insuspeitos da memória, a publicidade ao novo topo de gama, o trânsito infernal, a corrida apressada, ela nunca gostou de esperar. Ao certo foi em Abril, um amigo de longa data de regresso, André, foi á sua conta que a conheceu, entre a amena cavaqueira de café, olhares que se cruzam, e tudo o que veio por acréscimo se torna disforme numa das muitas tentavias dolorosas de não esquecer. Bebe o copo de um trago, acende um cigarro, não entende como é possível que se tenham insinuado tantos lapsos de tempo numa história simples e fácil de recordar. o pequeno almoço intocado, não já no café, num quarto de hotel, o sol por entre as cortinas, a cama desfeita. A casa vazia, nada de novo, ele escreve, palavras ao acaso. A viagem a Ceuta, a casa alugada no regresso, como se todo o tempo fosse pouco, como se fosse um crime desperdiçar mais um dia.

Nada o fazia prever, disso recorda-se bem, a casa vazia, as palavras que restam, porque sim meu amor, porque não sou o que mereces, porque eu não presto. Ele vagueia pelos quartos, o silêncio, os objectos de que se vai livrando, as palavras que ficam, porque sim meu amor, porque não sou o que mereces, porque eu não presto.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

** Mais um dia igual

Ela chegava sem avisar, tarde, quase sempre. A chave dava duas voltas na fechadura. Ela entrava devagar e fechava com cuidado a porta, despia o casaco, que deixava no espaço vazio do cabide. O gato era preto, vinha sempre ver quem era, olhos a brilhar, miava de mansinho e passava-lhe por entre as pernas antes de saltar para o sofá. Ela abria a porta do quarto, descalçava os sapatos, despia a roupa, deitava-se no espaço vazio da cama, ele acordava nesse exacto momento, sorria, e por entre beijos apressados, faziam amor, como estranhos que se conhecem demais, em silêncio. Ela sussurava ao ouvido um amo-te envergonhado, sorria, adormeciam abraçados.

Ele acordava, cedo, quase sempre, levantava-se com cuidado, ela acordava nesse exacto momento, fingia que dormia. Ele vestia a roupa, calçava-se, fechava a porta do quarto, vestia o casaco, a chave dava duas voltas na fechadura, tudo fazia prever mais um dia igual.

** Por fazer

Folhas espalhadas, textos por terminar, ideias dispersas, saber quem sou e o que quero não controla a necessidade constante de desistir, erro meu, pecado meu, adia-se a vontade, hoje e amanha e depois, até que a vontade se confunde com a rotina e a rotina já não doí. o desejo, a decisão, pedaços incertos do que fica, mais uma vez, mas só desta vez, por fazer.

domingo, fevereiro 25, 2007

** Um poema e duas cartas

Um poema e duas cartas, e linhas apressadas na contracapa de um livro.

A manhã em que fiquei na areia enquanto chamavas, a praia quase deserta, o teu sorriso feliz. De longe pensei que queria ter coragem para te deixar, que não te amava como devia, imaginei o que seria de nós, o que seria de ti, e como todas as vezes, por mais que tentasse acabava por querer ficar.

Tenho a certeza que o amor é mais ou menos isto e tudo na vida é um intervalo, um acto adiado, um livro meio escrito.

Os textos que não leste, as ideias por partilhar, todo um mundo que era só meu e que não conheceste. Os silêncios que não conseguias nem devias perdoar.

Um poema e duas cartas, e linhas apressadas na contracapa de um livro, e todos os silêncios, e este texto.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

** Entrelinhas

Há qualquer coisa de errado,

- Outra vez?

(E tantas outras vezes)

Há qualquer coisa de errado na vida que escolhemos quase sem querer.

- Escolhemos, somos o que queremos ser.

(O que conseguimos, pelo menos)

Há tanta coisa por dizer, não sei onde começar.

- De hoje para trás, ou de hoje para amanha, conta o que vier, e o passado já lá vai.

(Simples demais, nada é simples demais)

Ao certo sabemos o que não queremos

- Há quem nem isso.

(Há quem nem isso)

Fica portanto a singela satisfação de sabermos existir pior e de termos um pouco melhor, de tudo o resto ser desnecessário para o caso em questão, e isso basta por hoje.

- É um principio.

(É quase um fim.)

(Muito mais do que devia, muito menos do que queria)

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

** Nunca

Nunca deixei de acreditar nas tuas guerras, nos teus desmedidos impulsos de liberdade. Nunca procurei mais do que o que tinhas para dar, neste ou em qualquer outro sinal de incerteza. O presente desenha-se em contornos coloridos, e nunca deixei de esperar os teus regressos. Em todas as despedidas guardas religiosamente o que resta, e sabes que o que fica é a parte mais importante de qualquer pecado por confessar. Nunca deixei de saber em ti o caminho para as palavras que não falo, para os silêncios que amo com rasgos de paixão infantil, para todos os medos, todos os defeitos. E afinal não importa que esqueças, não importa que me esqueças. Nunca deixei de acreditar que tudo se vai resolver, sem esforço, amanhã.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

** Códigos

Em tantas verdades, e meias verdades, e mentiras piedosas, e mentiras, e mentiras descaradas, e intenções pressentidas mas não anunciadas. Em tantas histórias, em tantos silêncios, em tantas tentativas de não tentar, em tantos dias banais, resta a espera inquieta do teu grito.

** Coisas simples

Como se não fosse coisa estranha, em três ou quatro linhas de simples alegria, dois dedos de conversa e meia duzia de olhares cruzados, esperas por teus costumes retorcidos que nada se escape ou desvie do plano, e eu digo de repente como quem repete palavras gastas, e tu esqueces o que escreves, a caneta no chão de mosaico frio, o papel espalhado e manchado de azul, e eu digo de repente como quem repete palavras gastas. - Não sei quem és, não te quero conhecer.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

** Perguntas

Ao certo não sei como aconteceu.

- Não sabes?

Sei, mas prefiro imaginar que foi de surpresa, que de forma inesperada te esqueci.

- Esqueceste?

Não, mas prefiro imaginar o que recordo como insignificante de mais para se notar.

- Não se nota?

Talvez.

- Talvez?

Não preciso responder as tuas perguntas,

- Não precisas ou não queres?

Precisava de não querer.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

** Gastar anos assim

É um desperdício, anos gastos assim. O verde da relva, o jardim à beira-rio, o autocarro que chega e nos leva, amanha outra tarde igual. É um desperdício, facilmente se chega a essa conclusão. Recordo o mar gelado, a praia imensa, os traços na areia, as promessas no ar. O que assusta é a capacidade de alternar ódio e indiferença e amor. As escadas de madeira, fotografias a dois desta vez. à saída do cinema, a tua mão na minha, um filme qualquer. Tu chegas e descalças os sapatos e adormeces ao meu lado sem despir a roupa. A casa em silêncio, fazemos amor no chão da sala e trocamos palavras que sabemos de cor. É um desperdício, anos gastos assim, erros mesquinhos e decisões apressadas. A verdade é que não dei conta do momento em que me perdi, em que errei o caminho de volta, em que esqueci o mais importante. repito quase em silêncio que é um desperdício. É um desperdício gastar anos assim.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

** Luísa

Foi então que percebi, foi só naquela tarde que senti que tinhas partido, a caneta suspensa sobre a letra, a palavra a meio caminho do fim, o teu nome por terminar, Luísa. E tudo o que calei rebentou naquele momento, numa fracção de segundo, num gesto suspenso, Luísa. Claro que lembro o inferno que foi a tua despedida, a confusão que criaste com a decisão de partir quase sem avisar, de alguma forma suprimi tudo, observei de longe, espectador distante e sereno do teu adeus. E dias depois, semanas até, continuei sentado na plateia do teatro que foi o teu mundo, em silêncio á espera que de alguma forma tudo não passa-se de um intervalo prolongado. Até aquele momento, e a ilusão desfez-se nos riscos do teu nome, Luísa. Só então senti a ausência, tão real, tão cruel quanto foi o teu fim. Cartas que escrevo em delírio, em demente vontade, em egoísta certeza de que enquanto existires em palavras não vais poder partir. A morte é um inesperado sinal de pontuação no texto que sempre escrevi. fecho os olhos, recordo mais uma vez, porque não te vou deixar morrer, porque nunca te vou deixar morrer em mim, Luísa.

terça-feira, janeiro 16, 2007

** Quando quiseres

Gostava que olhasses desse lado do quarto, desse lado da tua vida, e como se as certezas emprestadas fossem suficientes, respondesses, desta vez com palavras, perceptíveis se possível, ao que te pergunto há semanas. Gostava de eliminar os rodeios, as respostas com pontos de interrogação, uma resposta deve ter ponto final a fechar de forma definitiva a ideia. Gostava que a coragem não fosse só uma palavra, daquelas que usas nos teus discursos eloquentes, gostava que tivesses coragem para variar, só desta vez. Conto em silêncio os dias, sei ao que vens, estou mais do que pronta. E quando feitas as contas, cadernos fechados, despojos vendidos, quando sem remorsos nem saudade se der por concluída a operação a que te propuseste, últimas palavras em tom de despedida apressada, Quando finalmente saíres, a casa em silêncio, tudo o que fomos esquecido, as molduras vazias, um copo de vinho, um livro qualquer, a televisão desligada, podes levar a televisão se não te causar transtorno. Quando finalmente sentir que já não existes, sei que não vou notar a tua falta.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

** Por dizer

Bem vez que não quero dizer isto, e se o faço, é porque não sei contornar a questão. Há coisas que enquanto não são ditas nos fazem companhia pela noite dentro, e conversam sem parar, e nos acordam abruptamente sempre que fechamos os olhos, cuidando que finalmente foi possível conviver com o medo e amestrar as feras de circo que habitam todas as almas inquietas. Há coisas que enquanto não são ditas nos matam devagar e por prazer. Bem vez que não quero dizer isto, e se o faço é porque preciso que adormeças em silêncio e sozinho esta noite, é porque não te posso perder.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

** Animais

Anda hoje, ou amanhã. Matas a fome e a vontade que adormeces com ternura faz meses. Animais que se perseguem e se encontram e se desfazem em lutas de corpos conhecidos. O sabor da tua pele, desespero e raiva. O pudor que despimos, que rasgamos, que deixamos a um canto. Matas a sede e o desejo que escondes em extravagantes mentiras faz anos. Animais que se procuram e se devoram sem coerência ou moderação. Nem carinho, nem palavras, nem amor, Ímpeto irracional e vontades descontroladas e lágrimas que sabemos de cor e provamos mais uma vez, anda hoje, ou amanhã.

terça-feira, janeiro 09, 2007

** Confiança

Caminho sem pressa nem cuidado, nada assusta, não olho para baixo, nunca senti o perigo a meio passo da queda. De uma forma ou de outra estás onde é preciso, a tua mão na minha no último instante, ainda estou aqui. De uma forma ou de outra, mais uma vez, não vais desaparecer agora, não vou cair agora. De uma forma ou de outra, não vou... onde estás?

sexta-feira, janeiro 05, 2007

** Cartas

Encontrei ontem cartas tuas, papel amarelo e seco. Cartas, em volta um envelope, selo e carimbo ao canto. Tinta, e frases com riscos por cima, e sinais no meio de palavras a que faltam letras. Encontrei ontem cartas tuas, daquelas que demoram dias a chegar contando que não se perdem pelo caminho. Soube bem agarrar no papel, sentir o cheiro, ler o que escreveste à tantos anos, pensar nas respostas, no que esperei, no que não esqueci. Encontrei ontem cartas tuas, num livro antigo que comprei e guardei sem oferecer. Foi bom relembrar o que fomos, o que deixamos, as promessas que fizemos e não cumprimos. Marquei o teu número, queria agradecer os sorrisos que as tuas palavras antigas desenharam em mim, não deixei o telefone tocar, procurei um caderno, arranquei uma folha, mereces receber esta carta.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

** Incoerência

É isto que assusta. Tempo, vida que corre perante o impávido contemplar do que se deseja. É isto que assusta. Cansaço, de olhos fechados cansaço que se entranha como a humidade no inverno. Os meus gestos, o silêncio, as vontades sem nome que se escondem em esquinas de movimentos iguais, a exaustão do presente. Sei o que quero, o que não quero, o que tanto faz, planos traçados com precisão e detalhe. É isto que assusta, a incoerência que se insinua por vezes, a mão que treme ao escrever a vontade, a diferença entre o projecto e o resultado final.

terça-feira, janeiro 02, 2007

** O que se passa?

Não és só tu, também tenho medo às vezes. Não és só tu, também estou inseguro às vezes. Os riscos controlados são mais simples, mais fáceis, menos perigosos, nunca me deram prazer. O tempo passa em esperas, em compassos de incerteza, enquanto te olho com um sorriso, enquanto saboreio o nosso silêncio, enquanto não chega o inevitável.

- O que se passa?

- Nada, tudo, o resto que fica pelo meio. Há coisas que calamos porque já foram ditas, porque não queremos desperdiçar frases, porque é imperativo não banalizar o especial.

- Gosto de ti. - Mesmo sem palavras, deves conseguir ler em mim, nos meus silêncios, nas minhas respostas evasivas.

- O que se passa? - Nada.

- O que se passa? - Gosto de ti.

sexta-feira, dezembro 29, 2006

** Ana, meu amor.

Ana, meu amor. Nada resta capaz de nos segurar. Não sei se faça disto uma despedida minha ou tua. Dirás que fui eu que escrevi esta carta, que dobrei a folha, que a coloquei no frigorífico presa com o íman azul, a lista de compras está em cima da mesa. Dirás em tom contido, sublinhado por um encolher de ombros, que fui eu quem fechou a porta esta manhã, que desapareci de repente, nem a cama fiz, que mudei de número, que te esqueci. Tens razão como sempre meu amor. Precisavas de espaço, precisavas de tempo, precisavas de muito mais do que isto. Ana, meu amor. Nada resta capaz de nos segurar. Perdi a capacidade de amar no formato mesquinho que escolheste, perdi a vontade de lutar por tudo o que de banal nos habitava. As fugas mudaram de sabor, os regressos deixaram de valer a pena. Dirás que é cobardia da minha parte sair tão cedo, sem um beijo de despedida. Dirás que é estupidez da minha parte sair da nossa vida sem avisar. Deixei de conseguir suportar as nossas conversas e os nossos sorrisos entre pratos e copos de jantar, Deixei de conseguir suportar as pequenas coisas, as mentiras que contamos um ao outro. Tenho de sair, porque sim, porque não podia ficar nem mais um dia. Reguei as plantas, liguei a máquina da roupa, os peixes têm comida, o jornal está na mesa da sala, as janelas estão trancadas, vou fechar a porta com cuidado e deixar a chave na caixa do correio. Ana, meu amor. Nada resta capaz de nos segurar...

terça-feira, dezembro 26, 2006

** Porque viver não basta

Às vezes é preciso, porque os dias não são iguais, porque não basta viver. Tudo o que fica é uma parte do que se calou, contornos de história por descobrir. O que somos e não conhecemos é a matéria prima da obra por criar. No esboço riscado em silêncio, traços pacientes, planos que não existem. A vida muda, em tom e forma e sabor. A vida muda e nós com ela por arrasto, sem amena transição. Da mudança surgem incertezas, apagamos frases e palavras, alteramos sinais de pontuação, recomeçamos numa folha vazia, vezes e vezes sem conta, no final, ao reler, deixamos como está, mesmo sem gostar. A vida muda e nós com ela por arrasto, sem amena transição.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

** Apontamentos 4

Há locais que surgem nas fracções de tempo em que as memórias se insinuam por entre gestos banais. São momentos de insignificante relevância no contexto da vida que tivemos, conversas dispersas que se esquecem, olhares e acções sem significado real. Há locais que surgem de repente com o café da manhã, e se transformam, e magoam em cada segundo do que se recorda. Há locais que trazem de volta a imagem do que foste, e sem se fazerem esperar obrigam a novas despedidas.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

** Amor

- A diferença está no motivo, no estado de espírito, no detalhe.

- O amor filtra a vida, é demasiado doce para ser convincente. - Disseste tu com naturalidade, porque achaste por bem dizê-lo, porque achaste que soava bem, e não ficou por ali.

- O amor não é real, não é prático, não ajuda nem estorva. Ao amor falta-lhe objectividade, e precisão e vontade. - O sorriso nos teus lábios, a ironia da tua prosa, e mais.

- O amor é idiota, é patético, é comercial. O amor é lamechas, é uma criança mimada que faz perguntas sem esperar respostas e chora por tudo o que não têm. - Fiquei sem saber o que responder e tu aproveitas-te.

- O amor não tem pernas para andar, não têm impacto, não é forte, não se escreve bem por amor. - Olhei para ti.

- O amor... Cala-te por favor, beija-me outra vez.

domingo, dezembro 17, 2006

** Cinzento

E agora? Traçar planos em folhas vazias e queimar horas em esperas desencontradas. Cigarros que ardem, palavras que voam. Amargas vontades que se bebem de um trago enquanto o amanha se atrasa de forma imperdoável em gestos por formar. Cinzentos que se fazem convidados e ficam para jantar e se deitam ao meu lado e se esquecem de sair. Quem és tu afinal?

quinta-feira, dezembro 14, 2006

** O que resta

A sala era ampla e bem iluminada. No verão o sol entrava através de largas janelas de madeira e preenchia todo o espaço. A decoração denotava bom gosto, o candeeiro de cristal, os sofás de veludo, todos os pequenos detalhes. O silêncio de fim de tarde, a casa vazia, memórias em cada canto, nas partículas de pó que polvilhavam o ar, na estante de livros, nas molduras e nos rostos estampados. A certeza que se sente já sem dor de que a vida passou. Quando o reflexo do espelho não assusta, quando se aceita a transformação, o que resta são repetições em ritmo controlado, o instintivo movimento sem sabor a novidade. Levantou-se devagar, espreitou a rua, o ritmo frenético do trânsito, das pessoas, da vida que se apressa. Sorriu com prazer, apesar de tudo tinha sido imoderadamente feliz.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

** Mais ou menos isto

- Não julgues que por estar aqui te pertenço, não sou tua, não me afectas assim tanto.

(Poemas e rosas e lágrimas que secam em sorrisos)

- Não penses que podes descansar, que te podes sentir seguro. Não me conheces.

(Perguntas, caminhos que se trocam e se esquecem)

- Não me olhes assim, não digas nada, sabes que não quero as tuas palavras.

(E beijos em ruas apertadas, e abraços com sabor a quase tudo)

- Nem tudo o que temos me vai fazer ficar, nem tudo o que disse será capaz de nos segurar.

(O silêncio emprestado de uma história qualquer)

Não quero ter certezas, nem fingir que te conheço, presumir que tenho no bolso respostas a jeito de semear. Não quero um dia deixar de lutar por ti meu amor.

terça-feira, dezembro 12, 2006

** Incertezas

São os lábios, a forma, a cor, o sabor que se adivinha e se deseja de repente. São os olhos, a forma, a cor, tudo o que dizem em silêncio.
- Nem sempre se espera o que se sente, nem sempre se deseja o que se descobre.
São as palavras, os gestos, a vida. A possibilidade escondida na incerteza. A certeza contida num tímido talvez, sussurrado em cada sorriso que te roubo.
- Sabes que as esperas me deixam assim, se pudesse não esperava por nada, nem por ninguém, nem por ti.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

** Desafio

O teatro estava cheio naquela tarde.

- (Não acredito que tenhas a coragem de te deixar levar.)

Os actores desempenhavam os seus papéis, o público assistia com arrebatada admiração.

- (Não acredito que sejas capaz.)

Um dos actores desceu do palco percorreu a primeira fila conversou com dois espectadores, fazia parte da peça.

- (tão simples, tão pouco, nada a perder.)

A peça chegou ao fim, o público aplaudiu em pé.

- (Sem esperar mais tempo, sem hesitar, agora.)

Os actores deixaram o palco, o teatro ficou vazio naquela tarde.

- (?)

** Talvez

Ficaste com o que podias ter, calei algumas palavras por não ter coragem de as escrever. E então prometemos que vamos mudar, gritar sem medo o que nos queima. Durante a noite apagamos tudo sem remorsos.

domingo, dezembro 10, 2006

** Ousadia

- Talvez queiras trocar uma parte de ti por um pouco de ousadia, faz uma certa falta, sabes?
- O que nos prende é o risco quando não se quer perder nem por momentos a ilusão de que tudo é possível.
- Não serás tu a precisar de afastar a letargia em que pareces existir? Vais ficar parado, a olhar de longe a vida, a deixar passar o que queres sem um esforço? Não é coerente, nem lógico, nem...
- O mais difícil na vida é manter a coerência quando só restamos nós por convencer.

sábado, dezembro 09, 2006

** Manhã

A rua é larga, a vida caminha devagar pelo passeio. Depois da curva a relva do jardim á beira rio, os barcos afastam de forma pachorrenta a água e seguem caminho por entre peixes e pássaros. O sol reflecte-se nos bancos de madeira vermelha e sente-se o cheiro da manhã. Mais à frente a máquina dos bilhetes engole moedas e devolve passagens, o comboio parte neste momento, bancos de dois lugares virados em grupos de quatro, quase todos vazios, o casal de namorados que conversa ao fundo, o homem que folheia o jornal lê negritos e ítalicos, a criança espreita o mundo que passa lá fora. meia dúzia de vidas alheias ao resto. duas paragens depois o jornal dobrado fica no banco, entram pessoas, a viagem recomeça, não importa onde termina, aqui mesmo, mais á frente outro jardim, mais ainda o mar e a areia molhada com pegadas de gaivotas. A vida repete-se de forma metódica em espirais asimétricas e incompletas.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

** Não me ames.

Não tenhas medo, Não esperes, Não me ames. O que sentes como teu em nada nos pertence. Não adormeças nem acordes como ontem, não me ligues com as perguntas de sempre na espera das respostas que queres ouvir. São pequenas ofertas de verdade e embrulhos de veladas mentiras que te prendem. Não chores nem me abraces. Não procures por entre lençóis de azul deslavado e gasto o que fomos. Sabes que nada é assim tão simples, e eu não sou o que esperas, não sou o que queres, não sou teu. Estava uma manhã fria e as ondas rebentavam no nevoeiro da praia.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

** Nada de novo

Nada de novo para contar, pensou. Os dias que passam, os sorrisos que se escondem, as páginas que se lêem e se esquecem, livros arrumados a um canto. Nada de novo para contar, nem glória, nem tristeza, nem obstáculos, nem batalhas por vencer. Rostos que se repetem e não ficam, rostos que se reconhecem e se diluem em molduras de verniz. Fechou os olhos encostou a arma á nuca. Nada de novo para contar, pensou.

**Apontamentos 3

Palavras em demasia e acções subtraídas. Acçoes em abundância e palavras que escasseiam. O Equilibrio está no silêncio, na mentira, na espera inquieta de uma amanhã diferente em tons que relembrem restos de saudade.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

** Poemas por encomenda

Palavras com som e música de crianças, promessas escritas em papel quadriculado por entre contas de somar e regras de três simples. Escrevi para os outros o que conseguia, o que não te conseguia contar. Coisa pouca, quadras e sonetos disfarçados, rimas em branco, epopeias em tamanho A4. Linhas e linhas por desiludir, esperanças por envelhecer, a vida em plena imprecisão, o auge da mentira inocente. Os outros agradeciam, e levam as palavras, e usavam-nas como se fossem suas, e desenhavam com o meu punho sorrisos em rostos alheios, e semeavam sonhos que eram teus por direito. Reutilizavam versos, reciclavam verdades, como se tudo não passa-se de quase nada, de meia dúzia de certidões vendidas, de poemas por encomenda.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

** As nossas palavras

A tua mão na minha, um turbillhão de esperas descontroladas. O teu sangue e o meu, a vida na pele aspera e fria. Castelos de areia, rios que correm devagar. Os pequenos prazeres são amargos pedaços de tempo fora de ordem e de sentido. As palavras perdem-se por entre caminhos e rostos que se repetem ao ritmo dos dias que passam. As nossas palavras perdem-se por entre frases agastadas que se repetem em cada inicio, na imprecisão de tudo o que não tenho, de tudo o que não conheço, no medo de te conhecer.

terça-feira, novembro 28, 2006

** Diferenças

Sobre a vida, claro. O que mais poderia ser. Sobre estantes de livros, musicas conhecidas, o céu e o mar quando são da mesma cor. Ele pegava no telefone e falava, sobre quase tudo, sobre quase nada. Ela atendia o telefone durante a madrugada e ouvia quase tudo, quase nada. Era uma história simples como os sorrisos que nele habitavam, era uma coleção de borboletas, um album de fotografias, um passeio no final da tarde. Ele conversava, com gestos rasgados ou de olhos fechados, em surdinha até ela adormecer. Sobre a vida, principalmente sobre a vida, e tudo o que de banal e simples a preenchia. Ela escutava, sempre em silêncio, ausente, distante, até o esquecer.

segunda-feira, novembro 27, 2006

** Apontamentos 2

Tenho de aprender a gostar das esperas, a amar as coisas insignificantes e os pequenos detalhes, a amar o tempo que se vai sentido na pele, na forma da sombra que passa, na capacidade de desiludir sem remorsos. Os discursos foram preparados em todas as palavras, treinados nos gestos, na enfâse das conclusões. Tenho de aprender a ser convincente quando converso em silêncio. As mentiras devem ser ainda mais simples se usadas em frente de um espelho.
** Apaixonei-me quando te vi e nunca mais deixei de te amar

Amanheceu rápido hoje, como um murmúrio que se anula, a noite passou depressa, levou embora as sombras e os silêncios em que estive escondida. Chegas-te tão tarde, muito depois de ter deixado de esperar, tarde demais para te saber existir ao meu lado. Senta-te um pouco por favor, ouve.
Apaixonei-me quando te vi, e lutei tanto por te afastar, entraste no meu mundo como uma tempestade, e lutei tanto por me manter á superfície da tua presença, por não submergir no mar que sempre foste para mim. Não olhes assim, fica mais um pouco, espera ainda. Tu sabias, que um dia, numa manhã como esta ou outra qualquer, com um discurso como este ou outro qualquer eu acabaria por corrigir os meus erros, despertar da letargia que me manteve cativa. Construí um longo discurso, uma longa lista de motivos, de argumentos prontos a utilizar, razões, certezas, queixas. Queria dizer que foste tudo o que eu sempre odiei, queria usar palavras que magoassem, porque sim, porque julgo que mereces sofrer por tudo o que me fizeste ser feliz. Bem vês não sou capaz, estou a resumir uma noite de conjecturas, uma noite de decisões em meia dúzia de palavras banais.
Tudo está em silêncio, ainda dormem por certo, terminamos aqui. Vai embora por favor, fecha a porta quando saíres...

domingo, novembro 26, 2006

** Ainda sei o teu nome

Espero que saibas que ainda sei o teu nome. Espero que entendas a demora, procurei as palavras certas para começar, depois é mais fácil. Espero que perdoes a indecisão, o medo constante da imprecisão. Espero que aceites que foi para mim um choque descobrir que não recordo a tua voz, o timbre, o tom, a forma, diferentes todos eles. Sei que não mudaram, fui eu quem esqueci a sua forma original. O silencio é no entanto o mesmo, familiar, conclusivo, a certeza pressentida que és tu, só poderias ser tu desse lado. Quase nada resta, e no entanto recordo o vazio, companheiro fiel de todas as despedidas. Tive saudades tuas, hoje, ontem, tantas vezes.... Não gosto de sentir saudades, não gosto de me sentir assim nem de admitir que isto acontece. Não suporto o facto de sentir a falta de um silencio, de alguém que não reconheço, de ti.

quinta-feira, novembro 23, 2006

** Apontamentos

Acima de tudo, antes do resto, um obrigado fica sempre bem. O que sobra são peças oleadas na engrenagem sem falhas que deixou de operar. Folhas de papel, textos da nossa história, arquivados, ordenados, catalogados. O que ficou por dizer foi quase nada, e o sinal de pontuação mais perfeito é o ponto final. Acima de tudo, depois de tudo, um obrigado fica sempre bem.

terça-feira, novembro 21, 2006

** Só desta vez

Naquele momento, a um passo de tudo, entre o ter e o ficar, com um pé em cada margem, e tu que olhavas como se ainda fosse possivél. Naquele momento de incontornável decisão, mais um esforço, o impulso final do atleta que deixa o chão e tenta em pleno ar chegar mais longe, de olhos fechados como se o resto não existisse. E tu que olhavas como se ainda estivesse tão distante, como se nenhum esfoço fosse capaz de nos aproximar. Naquele momento as palavras são memórias e as memórias são pérolas que dissolvemos e bebemos, porque sim, porque não podem ficar inteiras a manchar o lençol de linho da nossa estória. E tu que olhavas através dos tijolos e da argamassa que compunham a tua defesa fortificada, e eu que acreditei que conseguia mesmo assim, que nem um castelo seria suficente para te proteger. Naquele momento tudo o que resta são as certezas, de que nada pode ser mais importante, de que nenhum momento será um dia melhor do que este, de que não é tarde, de que a noite só agora começou. E tu que não olhavas porque partias, o copo vazio, a cadeira arrumada, a vida esquecida no canto da mesa ao lado do prato. Naquele momento, no último segundo do que conhecia, hesitei.

segunda-feira, novembro 13, 2006

** Desconhecido

Se fizer um esforço por recordar aqueles meses, não te encontro naquela casa, não te encontro naquele quarto. Eu que sempre tive boa memória e me lembro do que vestias quando nos conhecemos, do lugar em que nos sentamos no autocarro, da maior parte das coisas que disseste. Eu que lembro com uma nitidez fotográfica cada minuto da primeira semana em que te amei, não consigo agora invocar ainda que de forma ténue a tua imagem, o som da tua voz, o teu cheiro, algo que indique que não desaparceste durante vários meses, também não recordo nenhuma despedida, nenhum regresso, e no entanto estás aqui. Talvez tenha sido eu a viver num local em que não estavas, talvez seja por isso que não senti a mudança, que não recordo a transformação. Talvez seja por isso que de cada vez que nos encontramos tenho de me controlar para não perguntar quem és.

sexta-feira, novembro 10, 2006

** Hoje e de vez em quando

A casa ao pé da praia, a areia molhada nos teus pés descalços, a espuma branca e fria que desenha contrastes ao passar. A viagem no Outono, Outubro é um bom mês. A viagem no inverno, a neve a perder de vista, as tuas pegadas depois da corrida pela encosta são o meu caminho de regresso. As velas acessas, a musica que toca baixinho, eu que te abraço com medo de te magoar, que me deslumbro com o teu corpo despido, como se fosses o ser mais belo, o ser mais frágil, como se fosse ontem que te conheci. A toalha estendida, o livro por ler, eu que mergulho atrás de ti e te beijo, o teu beijo que sabe a sal e é tão doce como o primeiro. A musica no carro quase em silêncio, eu que só ouço a tua voz atento para responder a tudo o que dizes. A meio da noite o silêncio que me acorda e tu que me olhas sem me tocar, tu que me sorris devagar, nós que fazmos amor como se nada mais existisse para além do teu corpo e do meu. As tardes de domingo preenchidas de azul, a tua mão e a minha, e o verde da manhã. O que magoa mais são as memórias do que não vivemos.
** O elogio da mentira

E se eu disser que te amo, e depois? E se eu te disser baixinho que estou aqui para aqueles dias que me queres e para todos os outros em que me querias longe? E se eu te beijar devagar e te prometer que amanha e depois será assim como ontem e um pouco melhor? Se eu te sussurrar ao ouvido enquanto estás triste e te deixar ficar? Se te escrever um postal e te amar como se precisasses de amor? Se depois disso conversar contigo até adormeçeres e estiver ao teu lado ao acordar? E se eu te olhar cada dia como na primeira vez que sorriste? Talvez possa dizer que te amo, e depois? Vais ser mais feliz se for verdade o que te escrevo?

segunda-feira, novembro 06, 2006

** Rotina

A noite na janela do quarto, o silêncio dentro do quarto. Abriu os olhos para deixar de ver por um pouco. Sente o corpo ao seu lado, familiar, estranho, adormecido. Os gestos repetidos na exaustão das palavras conhecidas, os olhares, os silêncios preenchidos de sorrisos forçados. Os diálogos banais nos intervalos da musica que toca no rádio do carro, na mesa de jantar, nos intervalos do filme da noite. A chuva na janela do quarto, o frio dentro do quarto. fecha os olhos para deixar de sentir. Amanhã é um novo dia.

segunda-feira, outubro 30, 2006

** Fotografias

As fotografias separadas por datas, a historia da vida que cresce como a cidade. As fotografias separadas por locais, rios e florestas, ondas que rebentam na areia molhada. Os sorrisos, os abraços. As fotografias que me mandaste pelo natal, beijos escritos nas costas com a tua letra de criança. As fotografias que me deste no verão, saudades escritas nas costas em tons de azul. Junto uma a uma, acrescento um pouco mais de álcool, as mentiras são dificeis de queimar...
** O dia seguinte

A tua roupa espalhada, o esquentador que não desligaste, o vazio e o silêncio são estranhos que me olham sentados no sofá. Desco as escadas devagar, o casaco no banco do lado, a chave na ignição. As memorias que me invadem entre o trânsito da manhã, o cheiro do teu cabelo acabado de lavar. O telefone em silencio, as respostas automáticas, as palavras que escrevo sem ler, o vazio e o silêncio são estranhos que me olham do outro lado da secretária. Saio sem pressa, o casaco no banco de trás, a chave na ignição, escolho uma musica que tu gostas. As memórias que me invadem entre o trânsito da tarde, O teu sorriso ao acordar. É bom poder fingir que ainda estás aqui.

sexta-feira, outubro 27, 2006

** Incoerente

Gosto de te saber longe, de te sentir ausente e indiferente, de pensar que o teu corpo não me pertence. Gosto de te olhar deste canto do quarto e imaginar que não conheco o sabor da tua pele. Gosto de acreditar que adormeces cada noite e te esqueces de mim, que quando me levanto e fecho a porta tu não acordas, não sentes a minha falta, não te interessas, não me esperas. Gosto de te querer desta forma incoerente, e de recomeçar cada noite o que não termino pela manhã.

quinta-feira, outubro 26, 2006

** Palavras

Somos o que sabemos querer descobrir, a soma de todos os pequenos elementos desordenados, incompletos, dispersos. Sabemos e ainda assim sorrimos na certeza de que a existência mais clara mais irrefutável é em si uma dúvida, um vago pressentir, uma verdade que amanhece sem se afirmar sem desenhar uma inabalável certeza de que aquilo que toco, aquilo que sinto está aqui, é real, tão real como tu que me esperas em silencio como se já estivesse a partir.
** Cópia perfeita do meu ser

Não ouso sequer pensar que te seja possível ser diferente do que planei para ti. Que tudo o que és se dissolva e se revele na desilusão da descoberta, no desfazer da razão e das certezas que acalentei sobre ti. Não és mais uma vã e ilusória fantasia sobre algo que apenas existe enquanto vontade, enquanto desejo de que todas as expectativas se revertam em sólidas verdades, Sei que és real, que a imagem que projectei de ti é tão real quanto tu que me olhas desse lado da noite.
** Feliz

As palavras correm soltas, tudo é claro e simples como deve ser. Sem entrelinhas de palavras retorcidas e dissimuladas, sem segundas intenções que espreitem disfarçadas de verdades sinceras e altruístas, disfarçadas de tantas coisas que me arrastam e me impedem de estar assim, Feliz. Feliz com F maiúsculo, supremo, incondicinal. Tenho a creteza de que nem mesmo quando esta pistola disparar e me disfizer as ilusões me vou sentir menos Feliz.