quarta-feira, novembro 28, 2007

** Não faz sentido ser outra coisa

Ele jura a pés juntos que é amor, que não faz sentido ser outra coisa. Dizem as más línguas que mal se conhecem. Ela diz que sim, que é capaz de ser isso, é provavelmente como ele diz. Ele passa os dias em alvoroço, liga a toda a hora, não pensa em mais nada. Dizem as más línguas que a coisa não vai longe por certo. Ela atende, dá conversa, faz o que têm a fazer enquanto fala. Ele apanhou o autocarro e depois o comboio só para a ver. Dizem as más línguas que saiu à bocado ainda não voltou. Ela não estava à espera de o ver chegar. Ele não compreende como foi possível, não sabe o que aconteceu nos últimos minutos, os lençóis brancos manchados de sangue, a faca caída no tapete. Dizem as más línguas que sempre foi um bom moço, bom vizinho, bom cidadão. Ela não estava à espera de o ver chegar. Ele jura a pés juntos que é amor, que não faz sentido ser outra coisa.

terça-feira, novembro 27, 2007

** Já te procurei tantas vezes

Já te procurei tantas vezes, nem sei ao certo o que procuro afinal. Já te procurei tantas vezes, de tantas formas que nem sei se te passei ao lado sem querer, se estavas sentado no banco da frente do 714, se sais-te em Caselas ou no hospital Egas Moniz. Já te procurei tantas vezes, que te encontro em todo o lado antes de descobrir que não és tu que espreitas por entre a multidão que sobe as escadas do metro no Marquês, que não és tu a sair do café de esquina na travessa da Nazaré com a rua das olarias (onde compravas aos domingos o jornal que folheavas no jardim em frente). Já perguntei por ti a uma data de gente, já corri a lista telefónica não fosses ter mudado de número, já fui a tua casa vezes sem conta, cheguei até a perguntar por ti ao casal que lá mora agora. Tenho andado perdida estes últimos meses, acordo quase sempre aflita não te tivesses tu esquecido de levantar, não fosses chegar atrasado ao emprego (depois vais a correr e ainda tens um acidente, ainda ouves um raspanete bem merecido do teu chefe, ainda tens de fazer horas extra). Já te procurei tantas vezes sem te encontrar, e ainda não fui capaz de mexer nas tuas coisas, bem sei que gostas de tudo no seu sítio, que vais querer tudo como estava quando decidires voltar.

segunda-feira, novembro 19, 2007

** Boa noite

Um dia destes, faco as malas e vou embora. Um dia destes, deixo tudo, quase nada, para tras, sem cartas de despedida escolho um caminho qualquer, so paro quando conseguir. Um dia destes, ou ainda hoje, fecho a porta, desco as escadas, nem olho para tras. Se por acaso me cruzar contigo, nao paro para falar, nao paro para explicar, nao paro. Acelero o passo, e como se fosse apenas mais um dia, digo boa noite ao passar.