quarta-feira, janeiro 27, 2010

** Dias assim

Há dias assim, a chuva lá fora, a luz cinzenta e feia (aprendi a qualificar a luz, aprendi a apreciar a qualidade da luz, vê tu bem.) Há dias assim, feitos de memórias (não são bem memórias, são coisas que nos desarticulam as palavras). O mundo que nos entra pelos olhos, registo o que vejo sem processar nada, as palavras que oiço, as cores que vejo, os objectos em que toco, nada me parece relevante. Tenho a certeza que este estado de inércia saborosa e melancólica é resultante do dia lá fora. Há dias assim, sofro deste mal há muito tempo, amanhã as coisas voltam a fazer sentido, amanhã processo o mundo que me rodeia, analiso e decido cada passo e cada palavra. Amanhã a luz lá fora vai ser mais quente e com mais contraste. Amanhã regresso ao presente, deixo de imaginar locais, deixo de imaginar cheiros e saudades que transpiram muito ao de leve em resignadas vontades. Nestes dias tenho de fazer um esforço para afastar as imagens deslavadas, aquele quase branco que preenche a moldura e relembra silêncios e sal da praia, viagens quentes e fotografias que são espelhos irregulares e imprecisos do que fomos por acaso. Há dias assim, em que a vida que vivemos não chega para nos alhear de tudo o que guardamos em nós.