terça-feira, dezembro 07, 2010



** Motivos

A culpa foi da hora e do local, errados ambos. O problema foi termos existido nessa dimensão espácio-temporal responsável por todas as desgraças pessoais que no mundo acontecem. Num outro sítio, a outra hora, ou em outro ano vá, mais coisa menos coisa, o tempo é volátil e sempre fomos práticos, tudo seria diferente. Já sei que quando leres este texto vais achar que é um lugar comum e uma frase feita, que é de um abominável mau gosto recorrer a tão vulgar razão para justificar a nossa vida, vais pensar que foi muito mais que um simples erro honesto, que o mapa e o calendário em nada têm culpa. Eu tenho a certeza que foi apenas isto, e acrescento, porque a esta altura já não estas a ler, foi tudo um erro de personagens, sei que numa outra vida vamos ser gatos, e acabamos por nos encontrar, o sexo vai ser menos criativo é certo, as infidelidades serão mais frequentes, mas de uma forma ou de outra vamos ser tão felizes quanto bichos como nós podem ser.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

** Dias assim

Há dias assim, a chuva lá fora, a luz cinzenta e feia (aprendi a qualificar a luz, aprendi a apreciar a qualidade da luz, vê tu bem.) Há dias assim, feitos de memórias (não são bem memórias, são coisas que nos desarticulam as palavras). O mundo que nos entra pelos olhos, registo o que vejo sem processar nada, as palavras que oiço, as cores que vejo, os objectos em que toco, nada me parece relevante. Tenho a certeza que este estado de inércia saborosa e melancólica é resultante do dia lá fora. Há dias assim, sofro deste mal há muito tempo, amanhã as coisas voltam a fazer sentido, amanhã processo o mundo que me rodeia, analiso e decido cada passo e cada palavra. Amanhã a luz lá fora vai ser mais quente e com mais contraste. Amanhã regresso ao presente, deixo de imaginar locais, deixo de imaginar cheiros e saudades que transpiram muito ao de leve em resignadas vontades. Nestes dias tenho de fazer um esforço para afastar as imagens deslavadas, aquele quase branco que preenche a moldura e relembra silêncios e sal da praia, viagens quentes e fotografias que são espelhos irregulares e imprecisos do que fomos por acaso. Há dias assim, em que a vida que vivemos não chega para nos alhear de tudo o que guardamos em nós.