sexta-feira, dezembro 29, 2006

** Ana, meu amor.

Ana, meu amor. Nada resta capaz de nos segurar. Não sei se faça disto uma despedida minha ou tua. Dirás que fui eu que escrevi esta carta, que dobrei a folha, que a coloquei no frigorífico presa com o íman azul, a lista de compras está em cima da mesa. Dirás em tom contido, sublinhado por um encolher de ombros, que fui eu quem fechou a porta esta manhã, que desapareci de repente, nem a cama fiz, que mudei de número, que te esqueci. Tens razão como sempre meu amor. Precisavas de espaço, precisavas de tempo, precisavas de muito mais do que isto. Ana, meu amor. Nada resta capaz de nos segurar. Perdi a capacidade de amar no formato mesquinho que escolheste, perdi a vontade de lutar por tudo o que de banal nos habitava. As fugas mudaram de sabor, os regressos deixaram de valer a pena. Dirás que é cobardia da minha parte sair tão cedo, sem um beijo de despedida. Dirás que é estupidez da minha parte sair da nossa vida sem avisar. Deixei de conseguir suportar as nossas conversas e os nossos sorrisos entre pratos e copos de jantar, Deixei de conseguir suportar as pequenas coisas, as mentiras que contamos um ao outro. Tenho de sair, porque sim, porque não podia ficar nem mais um dia. Reguei as plantas, liguei a máquina da roupa, os peixes têm comida, o jornal está na mesa da sala, as janelas estão trancadas, vou fechar a porta com cuidado e deixar a chave na caixa do correio. Ana, meu amor. Nada resta capaz de nos segurar...

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